Skip to main content

Full text of "Historia da prouincia sa[n]cta Cruz a qui vulgarme[n]te chamamos Brasil: feita por Pero de Magalhães de Gandauo."

See other formats


»mmmiammmmVâmiawwí!SiBsannBSBBMBMi 


tt»2JL 


rr.-.TT.-.TT.-.Tr.vrT.v 


;  prouihcia 

doòufnafnaid^j)  . 


kA?.uA^A.vÀ^iiviivix.:ax.>xxvix..a:ióAj...A^- 


SWBHSBWBWglICTIByiSHSfE^ 


Àprouaçattí. 
XTl  a  prefente  obra  de  Pêro  de  Magalhães,  por  mandado  dosfe- 
|  nhoresdoConfelhogeraidaínquiíiiçam^&nanicemcoufaque 
feja contra noíTaíanâaPeecathoiica, nem  os  òós  coftuaics ,  antes 
muitas,  muito  pêra  ler^ojedezdeNotiembro  de  1  ç  7  5. 

Fiancifcode  Gouuea. 

X^Ifta  a  informaçam  ,podefe  imprimir,&  torne  o  próprio  có  hum 
dos  impreífos  a  efta  mefa:  &  cite  defpacno  Te  imprimirá  noprirj 
cipiodoliurocoma  dita inFormaçam.  hm  Euoraadez  de  Nouem 
bro.  Manoel  Antunez  Secretario  do  Cófclho  geral  do  Saneio  orfi 
cio  da  laquiííçam  o  fez  de  1  5  7  j.annos. 

Liáo  Anriquez.  Manoel  de  Coadros. 


Podefe  imprimir  efta- obra ,  por  nam  fer  prejudi- 
cial em  coufaaigíu,arAveò  muy  conveniente  pêra 
fe poder  kr : é i-isboaa  4. ne  ireucreno  de i)"j  6> 

LbníLuão  de  Maios. 


â 


í¥: 


Vendenfe  em  cafa  de  loao  hpezjkmro 
narmnoua. 


«A^AAVAAUAAYAAVAAVAAUMkVAK^^ 


vg^jt^s^ 


i 
faj  Ao  muito  illuítre  fcnhor  Dom 

L  i  o  n  i  s  pereira  fobre  o  liuro  que  lhe 

cfferece  Pcrodc  Magalhães:  tercetos 

de  Luis  de  Camões. 

Epoisqtie  Magalhães  teue  tecida 

ji  breue  hiãorlajua  que  illuftraffef 
J  una  SanSla  Cru^ pouco  fabida* 
Imaginan  lo  a  quem  a  dedxajfe, 
Ou  com  cujo  fauor  defenderia 
Seu  huro,de  algum  Zvilo  que  ladrajje: 
Tendo  niftooccupada  a  fantafta, 
Lhe  J  breueo  hum  fono  repou fido », 
Antes  que  o  Sol  abrijfe  o  claro  dia-, 
Em  jonhos  lhe  aparece  todo  armado 
M(irce,h'andmdoalançafuriofif 

Com  que  fe^quem  o  Vto  todo  enfiaio^ 

Dizendo  em  Vo^pefada  ty  temer  o  (a, 
TSLão  he  juíío  que  a  outrem  je  ojjereça 
Nenhua  obra  quepojja  ferfamofa, 

Se  nam  a  quem  por  armas  reíphndeça, 
No  mundo  todo }  com  tal  nome  infamai 
Que  louuor  immortal  Jempre  mereça, 

Ijlo  afíi  dito,  ApoU  que  da  flama 
Celeííe  guia  os  carros,  da  outra  parte 
Be  lhe  aprefmta  9  typorfeu  nome  o  dama 

A  i  Dizendo 


:-^AVA*:.UV^AVaAVAAVU^/-k^Vll.VAlS'i/.j2Cl..aX^!AA..ULlt..JLA...J. 


M& 


wrEsri&nsn 


TERCETOS    DE 

Dizendo,  Magalhães ,poílo  que  Marte 
Com  [eu  terror  teefyante,todauia 
Comigo  deuesfb  de  aconfelharte. 

Hum  barão  fapiente  ,em  quem  Talia 
^osfeusthef ouros,  (sr  tu  minha  /ciência. 
Defender  tuas  obras  poderia. 

Hejuíloquea  efcritura  na  prudência 
Jfcbefuadefenfam, porque  a  dureza 
Das  armas ,  he  contraria  da  eloquência: 

\Afii  dijfe,  O*  tocando  com  deflre^t 
Reitera  dourada ,  começou 
De  mitigar  de  Marte  a  fortaleci 

Mas  Mercúrio,  que  fempre  coftumou 
ji  dtfp.irtir  porfias  duuidofas, 
Co  çaduçeo  m  mão  que  fempre\>fou, 

Determina  comporás  perigo fa* 
Opiniões  dos  Deofes  inimigos, 
Contrapões  boas,juftas tsr amorofts, 

E  diffe,  bem  f  abemos  dos  antiguos 
Heroes ,  p*  dos  modernos,  que  prouaram 
De  Bellona  os  graulfsimos  perigos, 

Que  também  muitas  vices  ajuntaram 
As  armas  eloquência, porque  as  Mufiu 
Mâ  capitães  na  guerra  acompanharam: 

Nunqua  Mexandro,ou  (rfarnas  confufas 
Guerras,  deixarão  oefludobum  breue  eípaco] 
Nem  armas  da /ciências  fam  escufas. 

Nua 


^^tAA^!ÍlÁÍ£AAVAaUAA\ 


.»AXM1^A4M1AVA^UJ£U4VA*^AVAA^ 


lV^T»\yT4-JT,>yrATTt^TATn^T.\Tr.%T^\TT/.TTATT^.TWTTP.TT«VfTr,VTgi 


Í 

DE  LVIS  DE  CAMOENS.  | 

N«<*  mao  liur  os, noutra  ferro  (j?  aço: 

^Á  bua  regetsr  enftna ,  O*  outra  fere 

Mais  co  faber  Je  Vence  que  co  braço* 
fpois  logo  barão grande  fe  requere, 

Que  com  teus  does  Apollo  illuftrefijet, 

E  de  ti  Marte  palma  w gloria  eifiere. 
JEfte  Vos  darey  eu,  em  que  je  Veja,  í 

Saber  &  esforço  no  fereno  peito, 

Que  he  Dom  Lionhquefa^ao  mundo  enmjal 
Deíle  as  Irmaas  em  Vendo  o  bomfogeito. 

Todas  noue  nos  braços  o  tomaram, 

Criando  o  com  j eu  leite  no  feu  leito, 
jís  artes  &  J ciência  lhe  enfinaram, 

Indhuçamdiuina  lhe  influir am, 

As  virtudes  moraes  que  o  logo  ornar dml 
Daqui  os  exercidos  ofeguiram, 

Das  armas  no  Oriente,  onde  primeiro^ 

Hum foldado  gentil  ihBituiram. 
Ali  taes  prouas  fe^de  caualleiro, 

Quede  Chrtftão  magnânimo  (sr  figuro, 

A  ft  mesmo  Venceo  por  derradeiro. 
Depois  ja  capitam  forte  o*  maduro, 

Gouernando  toda  Áurea  Cherfonefo, 

Lhe  defndeo  co  braçoodebdmuro. 
forque  Vindo  a  cercala  todo  opefo 

Do  poder  dos  Jchens,  que  fe  fuftenta 

Dofangue  alheo9  em  fúria  todo  acefa 

Al       Efh 


f^iriMgaOTJirrtaf.««MifMiMiiMmMifMawA^^^^^ 


E5t5 


i 


BflS 


TERCETOS 

BJlefo  que  a  ti  Marte  reprefenta 

0  caíligou  de  forte,  que  o  Vencido 

De  ter  quem  fique  Viuofe  contenta. 
Tois  tanto  que  o  gr am  ^eino  defendido 

Deixou  ifegmda  Ve^com  mayor  gloria; 

tperaoyr  gouernar  foy  ellegido. 
Enam  perdendo  ainda  da  memoria 

Os  amigos  ofeugouerno  irando, 

Os  immigos  o  dano  da  ViSloru. 
Hliscom  amorintrinfeco  efptrando 

EJlam por  elle,  er  os  outros  congelados 

0  vão  com  temor  frio  receando. 
Pois  Vede  fe  feram  desbaratados 

De  todo  ,porftu  braço  fe  tornajfe, 

E  dos  mares  da  Índia  degradados. 
Porque  he  juflo  que  nunqua  lhe  negafft 

0  confelbodo  O/impo  alto  Zrfobido 

Fauorts*  ajuda  com  que  pelejajjê. 
Pois  aqui  certo  efla  bem  dirigido, 

De  Magalhães  o  liuro,  eftefodeue 

Defer  de  Vos,  ò  Deofes  escolhido. 
IJlo  Mercúrio  dijfe :  &  logo  em  breue 
Se  conformaram  nifto,  Apolo  tsr  Marte, 

E  Voou  juntamente  ofono  leue. 
Acorda  Magalhães,  tsrjafe  parte 

A  Vos  offerecer  Senhor  famofo 
Tudo  o  que  nellepos,fciencia  <?  arte. 

Tem 


^AA^-AAiOAVA  IVA  t'.'H'.'t  AvA  L:*X  AVA  'ii.il  AVA  AVA  AVA  AVA  AVI 


kAVAAVAAVAAVA  AVIAVA  AVA  AVAAVAXVA  AVJ 


.'.TT.'.TT.'.T  T.VT  T.VT  YWYT.Vrr.íTTíUrT.V»  T.%T  T.>TTÍ 


1 


DE  LVIS  DE  CAMOENS. 

Tem  claro  eílylo,  ingenho  turufo, 
fera  poder  de  Vos  fr  recebido, 
Com  mão  benigna  de  animo  amorofo. 

forque fo  de  namfer  fauorecido 

Hum  claro  efyiritofoa  baixo  (?  efcuro] 
E  feja  elle  com  Vosco  defendido, 
Como  ofoyde  Malaca  o  fraco  muro. 

f  Soneto  do  mesmo  Autor  ao  fcnhorDom 

LioniSj  acerca  davi&oria  que  QUU6 

contra  elRey  do  Achem 

em  Malaca 

VOs  Nimphas  da  Gangetica  efpejfural 
(antay  fuauemente  em  Vo^fonora 
Hum  grande  Capitam,  que  a  roxa  Âhrv  ê 
Vos  filhos  defendeo  da  noite  efeura, 

Jjuntoufe  a  caterua  negra  tpdura, 
Que  na  Áurea  Cherjonefo  afouta  mora% 
fera  lançar  do  caro  ninho  fora 
Âquelles  que  mais  podem  que  a  Ventura* 

}das  hum  forte  Lião  com  pouca  gente, 
A  multidam  tam  fera  como  neciap 
Diflruindo  çaftiga ,  ç?  torna  fraca. 

fois  òNimph&s  cantay  que  claramente 
Mais  do  que  fe^Leonidas  em  Grécia 
0  nobre  lÀonkfe\  em  Malaca* 

é  4       ^5 


? 


*Mavá  aia  m, .  a  Ai3A*M*jmAjK«a*aajrauK«aAV 


»<ycôfttóftCDrtúò/voortix>4^A!»ftooA, 


',■■'   .  ■■"k«,»">A<>')  A <V>  A « 


fhO    MVITO   ILLVSTRE    SENHOR 

DOM     LIONIS     PEREIRA, 

Epiftola  de  Pêro  de 
Magalhães. 


ES  T  E   pequeno  feruíçó 

(muito  illuílre  fenhor  )  que  ofTere- 
co  a  V.M.  das  premirias  de  meu  ira 


É?       co  entendimento:,  poderá  nalgua 


maneira  conhecer  os  defejos  que 
tenho  de  pagar  com  minha  pofsibi 
lidade  algúa  parte  do  muito  que  fc 
deueá  Ínclita  fama  de  voífo  heroy-» 
co  nome .  H  iíloaísi  pelo  mereci-» 

I  !Sí^^^^^J|^â\l^|  meto  do  nobihfsimo  fangue  &  cia 
^^^^r^^^^^p-  ^  A  ra  progénie  donde  traz  fua  origem, 
"J     '  como  peios  tropheos  das  grandes 

vjc"torias,&  cafosbem  afortunados  que  ihe  hão  fuecedido  neífas  par 
tes  do  Oriente  em  que  Dcos  o  quis  fàuorecercom  tam  larga  mão* 
«que  nam  cuido  fer  toda  minha  vida  baftante  pêra  fatisfazer  á  menor 
parte  de  ftfus  louuores .  E  como  todas  eítas  razões  me  ponham  eirt 
tanta  obrigaçam,  &  eu  entenda  que  outra  nenhúa  conía  deue  fer 
mais  aceita  a  peífoas  de  altos  ânimos  que  a  Hçam  das  eferituras^per 
cujos  meyos  le  alcançam  os  fegredos  de  todas  as  fciencias,&  os  no- 
mes vem  a  illuítrar  fcús  nomes  &  perpetualos  na  terra  com  tama  im 
mortal  ,determiney  escolhera  V.  M.  entre  os  mais  fenhores  da  ter 
ra,&dedicarihe  eftabreue  hiítoria*  Aquai  efpero  que  folgue  de 
rer  có  attençam  &  receberma  benignamente  debaixo  de  leu  empa- 
ro :  aísi  por  fer  couíà  noua3  &  eu  a  eícreuer  como  tefteraunha  de  vi- 
<U:  como  por  faber  quam  particular arfe  içam  V.  M.  tem  ás  coufas 
do  ingenho>&queporeítacauíaihenam  fera  menos  aceito  o  exer 
cicio  das  eferituras .  que  o  das  armas  .  Poronde  com  muita  razam 
íkuorecido  defla  confiança  pofla  feguramente  íair  a  luz  com  efta  pe 
quena  empreía  &  diuuigaJa  pela  terra  fem  nenhum  receo^ten- 
áo  por  defenfor  delia  aV.M.  Cuja  muito  illuftre  pei- 
foanoffo  Senhor  guarde  &  acrecête  fua 
rida  &  eftado  por  longos  & 
twiicisannos. 


*^AMtoÃ<£VA±VAÉlV^\'AãUAAfSk'HJiLW 


II 
1 


PROLOGO     AO     LECTOR. 

Qà.-VS  A  principal  que  me  obrigou  a  lançar 
mão  da  prefente  bifloria,  ty  JtirCom  ella  a  lu^ 
foy  por  nam  auer ategora pejjoa  que  a  empren* 
dejfe,  auendo  ja  fetenta  t?  tantos  annos  que  e/la 
prouinciahe  descuberta.  A  qual  hiíloria  creyo 
que  mais  efteuefepultada  em  tanto  fikncio ,  pelo  pouco  enfoque 
os  ^ortuguefes  federam  fempre  da  mesma  prouincia,  que  por  f ai 
tarem  na  terra  pejfoas  de ingenho  zsr  curió f as ,  que  per melhore* 
Slíllo  ornais  copio famente  que  eu  a  efreuejfem.  Toremjaqu* 
os  ejlrangeiros  atem  noutra  eftima9ir  j  abem  fuás  particulariza 
des  melhor  <&r  mais  de  rai^  que  nos  {aos  quaes  lançaram  ja  os  Tor 
tuguefes  fora  delia  a  força  darmos  per  muitas  \>e%es)  parecg  cou* 
fa  decente  O*  necefjaria,  terem  tombem  osnojjosnaturaes  ames 
ma  noticia,  eípeáalmente  pêra  que  todos  aquelles  que  neíles  %ei 
nos  Viuem  empobreça  nam  duuidemescolheta pêra  feu  emparo: 
porque  a  mesma  terra  he  tal,  &  tam  fáuorauel  aos  que  a  Vam 
buscar 9  que  a  todos  agajalha  <jr  conmda  com  remédio  por  pobres 
i?  defemparados  que  fejam .  E  também  ha  nella  coufaó dtgms 
de  grande  admiraçam  ,*&  tam  notaueis,que  parecera  descuido 
t?  pouca  curioftdade  nojfa ,  nam  fazer  mençam  delias  em  algum 
difurfo,  tsr  dalasa  perpetua  memoria^como  coflumauam  os  An 
tiguos :  aos  quaes  nam  efeapaua  coufa  algua  que  porextenfo  nam 
reduzjfjem  abifloria}zjr  feçefjem  mençam  em  juas  efripturas 
de  couf as  menores  que  efí as,  as  quaes  hoje  em "dia  viuem  entrenós 
como  f abemos }  ty  viueram  eternamente .    E  fe  os  antiguos  Ter 

tuguefes 


iiMntaMftiaiiiBaiMti»Vá'áftU  éía  ±>.*  ivaxvíavj  í.>a  im  ra  rei  isa  oraitira  ireausg 


PROLOGO  AO    LECTOR, 

tuguefes,  &  ainda  os  modernos  mm  foram  tam  pouco  éjfeiço& 
dosa  escriptura  comofam,  nam fe perderam  tantas  antiguida* 
4es  entre  nos  de  que  agora  carecemos ,  nem  ouuera  tam  profunda 
esquecimento  de  muitas  coufas, em  cujo  e findo  tem  muitos  homes 
doSlos  canfado ,  &r  reuolmdo grande  copia  de  livros  fem  as  pode* 
rem  descubrir,  nem  recuperar  da  maneira  que  pajfaram .  Vaque 
Vinha  aos  Gregos  <&  T^omanos  auerem  todas  as  outras  nações  por 
barbaras ,<&>  na  Verdade  coreia  lhes  fodiã  dar  eíte nome  poise* 
ram  tam  pouco  folicitos  t?  cobiço  fos  de  honra  qmporfua  mesma 
culpa  deixauao  morrer  aquellas  coufas  que  lhes  podiam  dar  nome 
W  farelos  immortaes .  Como  pois  a  efcripturafeja  vida  da  memo 
ria >&  a  memoria  húafemelhança  da  immortalidade  a  que  todos 
deuemos  afyirar,  pela  parte  que  delia  nos  cabedais  mouido  de  fias 
rações  ,fi  $er  efta  breue  hijloria  ,pera  cujo  ornamento  nam  bus* 
quey  epítetos  exquifttos,  nem  outrt  firmofura  de  Vocábulos  de  q 
os  eloquentes  oradores  coflumão  vfir ,  pêra  com  artific io  de  pala* 
uras  engrandecerem  fuás  obras .  Somente  procurey  escreuer  e/Ia 
na  Verdade,  per  hum  eílillo  fácil  &  chão ,  como  meu  fraco  inge* 
tiho  me  ajudou,  defejofo  de  agradar  a  todos  os  que  delia  quifrem 
ter  noticia .    <Peh  que  deuofr  desculpado  das  falta*  que  aqui 
me  podem  notar :  digo  dos  discreto,  que  com  ftm  %elo  o  c«» 
JlumÕQfa^er ,  que  dos  idiotas  ts  maldizentes  bem 
Jey  que  nam  hey  descapar ,  pois  eHk  certo 
mm  perdoarem  a 


mngtteitif 


Qpl  i 


i*&^*aâfcyA*yAAyÀ*fru*^A^AtfÀ'MTi»afr^ 


éf£  Capit.  Primeiro,  De  como  fe  de£ 

cobrio  efla  prouincia ,  &  a  ra^am  porque  fe  deue 
chamar  SanBa  Qu^  (ynam 
QraftL 


BINANDO  aquellc  muycathó2 
lico  &  fercnifsirao  Príncipe  elRey  Dom 
Manye  l  ,fezfe  hua  frota  pcra  a  índia 
de  que  hia  por  capitam  mórPedralua- 
rez  Cabral :  que  foy  a  fegunda  nauega- 
çam  que  fezeram  os  Portugucfes  pêra  aquellas  par- 
tes do  Oriente .  A  qual  partio  da  cidade  de  Lixboa  a 
noue  de  Março  no  anno  de  i  5  o  o .  E  fendo  ja  entre 
as  ilhas  do  Cabo  verde  (as  quacs  hião  demandar  pêra 
fazer  ahiagoada  )  deulhes  hum  temporal, que  foy  qu 
íà  de  as  nam  poderem  tomar,  &defe  apartarem  algus 
«auios  da  companhia .  E  depois  de  auer  bonança  jun 
ta  outra  veza  frota, empégaraníè  ao  mar,afsiporfo~ 
girem  das  calmarias  de  Guiné,  que  lhes  podiam  eftro- 
uarfua  viagem,  como  por  lhes  ficar  largo  poderem  do 
brar  o  cabo  de  boa  Efperança .  Eauendo  jahum  mes, 
<juehião  naquella  volta  nauegando  com  vento  pros- 
pero ,  foram  dar  na  cofta  defta  prouincia  :  ao  longo 
da  qual  cortaram  todo  aquelle  dia  ,  parecendo  a 
todos  que  eraalgua  grande  ilha  que  ali  cílaua,fem 
auer  Piloto,  nem  outra  pcflba  algua  que  teueíTç 

noticia 


^'AiViattfe^ir.ifeiiaiCTiCTiMnaig.iifrtlfg 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 
noticia  delia ,  nem  qucprefumifTcquc  podia eftar ter- 
ra firme  pêra  aquella  parte  Occidental  .  Eno  lugar 
que  lhes  pareceoddla  maisaccomodado,furgirama- 
quella  tarde,otide  logo  teucram  vifta  da  gente  da  terra: 
de  cuja  femelhança  nam  ficaram  pouco  admirados, 
porque  era  differente  da  de  Guiné,  &  fora  do  comum 
parecer  de  toda  outra  que  tinham  vifto.  Eílando  afsi 
furtos  nefta  parte  que  digo,  faltou  aquella  noite  com 
clles  tanto  tempo,  que  lhes  foy  forçado  leuarem  as  an- 
coras ,  &  com  aqueile  vento  que  íhes  era  largo  pora- 
quelle  rumo  ,  foram  correndo  a  cofta  ate  chegarem  z 
hum  porto  limpo  &  de  bom  furgidouro  ondeentra- 
ramrao  qualpoferamentam  cftenome,quehojeem 
dia  tem  de  Porto  feguro  ,  por  lhes  dar  colheita  Sc  os 
aíTegurar  do  perigo  da  tempeftadeque  leuauam  .  Ao 
outro  dia  feguinte  ,  fahio  Pedraluarcz  em  terra  com 
a  mayorparte  da  gente:  na  qual  fediíTe  logo  Mifía  cari 
tada ,  &  ouue  pregaçam  :  &  os  índios  da  terra  que  ali  le 
ajuntaram  ouuiãotudo  com  muita  quietaçam,vfan- 
dode  todos  os  ai5tos&  cerimonias  que  vião  fazer  aos 
íioflbs,  Eaísi  fe  punham  de  giolhosôc  batiaonos  pei- 
tos, como  fe  teueram  lume  de  Fé ,  ou  que  por  algúa 
via  lhes  fora  reuelado  aqueile  grande  &  ineffabil  myilc 
rio  do  Sanítiísimo  Sacramento .  No  que  moftrauam 
claraméte  eftaré  difpoftos  pêra  receberé  a  doótrinaChri 
ílaã  a  todo  tépo  q  lhes  foííe  denudada  como  géte  q  náo 
tinha  impediméto  de  ídolos ,  nem  profeflaua  outra  ley 

algua 


V*C±."JLX<U**AULAVAJ>V 


&^l>VAl^'AXyArarAy^À%U^ÀAy*AyA*^ 


SANCTA     CRV  t.  7 

algua  que  pode  ííe  contradizer  a efta  nofla,  comoa  di» 
antcfcvcra  nocapituloque  trata  de  feuscofíumes .  En 
tamdcfpediologo  Pedraluarcz  hum  nauioco  a  nouaa 
clRcy  Dom  Manuel ,  a  qual  foy  delle  recebida  com 
muito  prazer  &contentamento:&dahipor  diante  co- 
ixieçou  logo  de  mandar  algus  nauios^a  eftas  partes,  Sc 
afei  íè  foy  a  terra  defcobrindo  pouco  a  pouco  &  conhe- 
cendo de  cada  vez  mais ,  ate  que  depois  íe  veo  toda  a  re- 
partir em  capitanias  &  a  pouoar  da  maneira  que  agora 
efta .  E  tornando  a  Pedraluarez  feu  defcobridor,  paga- 
dos algus  dias  que  alliefteuefazendofuaagoada&efpc 
randopor  terhpoque  lhe  leruifíe,  antes  de  fepartir,por 
deixar  nome  aquella  prouincia,  por  elle  nouamétedes- 
cuberta,  mandou  alçar  hua  Cruz  no  mais  alto  lugar  de 
húa  aruore,  onde  foy  aru orada  com  grande  folennida- 
de&  benções  de  Sacerdotes  que  leuaua  emfuacompa 
nhia ,  dando  a  terra  efte  nome  de  Sanóta  Cruz :  cuja  fe- 
ftacelebrauanaqnelle  mesmo  dia  a  faníta  madre  Igreja, 
(que  era  aos  três  de  Mayo)  .  O  que  nam  parece  carecer 
de  myfterio,  porque  aísi  como  neftes  Reinos  de  Portu 
gal  trazem  a  Cruz  no  peito  por  iníígnia  da  ordem  & 
cauallariade  Chriftus,  afsiprouue  a  elle  que  efta  terra 
fe  descubriíTea  tempo,  que  o  tal  nome  lhe  podefTe  íer 
dado  nefte  fanóiodia,poisauiadelerpoííuida  de  Por 
tuguefes,&  ficar  por  herança  de  património  aomeftra 
doda  mesma  ordem  de  Chriftus.  Poronde  nam  pare 
ce razão pque lhe  neguemos  efte  nome,  nem  que  nos 

esqueçamos 


imU^tt^Aà'JM*lWA*.UA!»JAMÍt^^ 


QatfooflúOflúaAOOflOOAõOftcoflOOft<x><too<v 


líEijiEaiKfiiafigaiiaFlfeaiaaiigaiaijiiáf)^giiagiKT^aiE> 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 
iíqueçamos  delle  tam  indiuidamente  por  outro  que 
lhe  deu  o  vulgo  malconiiderado,depoisque  opaoda 
tinta  começou  de  vir  a  cftes  Reinos.  Ao  qualchama^ 
ram  braííl  por  ler  vermelho  &:  ecr  lemelhança  de  bra- 
íâ,  &  daqui  ficou  a  terra  com  efte  nome  de  Braívi  .Mas 
pêra  que nefta parte  magoemosao  Demónio, que  tan 
to  trabalhou  Ôc  trabalha  por  extinguir  a  memoria  da 
SanótaÇruz.,&  defterrata  dos  corações  dos  homísCme 
diante  a  qual  fomos  redemidos  &  tiuradôs  do  poder  dç 
lua  tyrannia)tornçmoslhea  reílicuiríeu  nome,&cha* 
memoslheprouinciadeSanda  Cruz  corno  em  priíici 
piojqq^afsi  oamoefta  também  aquelle  illuftre  &  fa- 
irjólodcritor  Ioãode  Barros  na  fua  primeira  Década, 
tratando  defte  mesmo  defcobrimer  toj.  Porque  na  ver 
cUçk  niais  he  deftimar  &  mithor  íoa  nos  ouui Jos da  gé 
te  Chriltaão  nome  de  hum  pao  em  que  fe  obrou  o  rny 
fterio  de  nofTaredempçam,que  o  doutro  que  namíer 
lie  de  mais  que  de  tingir  panos  ou  çouíàs  iemelhantes. 


^  Qipit.  %.  Em  que  fe  Jescreue  o  faio  &  qualidades 
dcjía  prouináa. 
ijj\  Sta  prouinçíaSanctaCruzeíláfituadana 
queliá  grande  America,húa  das  quatro  par 
tes  do  mundo j  Qifta  o  feu  principio  dous 
grãos  da  equinocial  pêra  a  banda  do  Sul, 
&,  dam  ie  vayeftendendo  pêra  o  mesmo  Sul  atequo- 
renta  &  cinco  grãos,  De  maneira  que  parte  delia  fica 

íituada 


tfàm+^*iM*\»mix+jmr.-mmrf*mr.T**mmik'+r.-*mr.vk.mi.-*múf+mb-A»àMmM*mii^ 


.tyvfTWT.^w.rf.Tr.vyyAtTiwTaTT.vriTi-jy^, 


SANCTACRV2.  $ 

fí  tuada  debaixo  da  Zona  tórrida,  &  parte  debaixo  da  te 
perada.  Eftá  formada  eftaprouincia  á  maneira  de  húa 
harpa  :cuja  cofhpeiía  banda  do  Norce corre  do  Orien 
te  aoOccidente  &  títá  olhando  direitamente  a  Equi- 
nocial .  E  pelado  Sul  confina  com  outras,  prenuncias 
da  mesma  America  pouoadas  &  poííuidas  de  pouo 
gentilicocom  que  ainda  nam  temos  comunicarão. 
E  pela  do  Orienta  confina  com  o  mar  Oceano  Africo, 
&  olba  direitamente  os  Reinos  de  Congo  ôc  Angola  a 
te  o  Cabo  de  boaefperança  quehe  o  leu  oppoíito.  E 
peia  do  Occidcnteconfinacomas  altiísimas  ferras  dos 
Andes  &  fraldas  dó  Perá,às  quaes  fam  tam  foberbas  ea 
cima  da  terfa^q  fe  d*z  terem  as  aues  trabalho  em  aspaf- 
íar.  Eateojehumíocaminholheacharamoshomens 
vindo  do  Perúaefta  prouincia^&eftetamagro^quçein-' 
o  paliar perecem  algíiaspefíbas, caindo  do eftreito  ca- 
minho que  tnzem,  &  vão  parar  os  corpos  mortos  tara 
longe  dos  liuos  quenunquaos  mais  vem  nem  podem 
aind  :i  que  queiram  darlhesfepulrurn.  Deftes&  doutros 
excrernosleoiclhcUescareceeíhprouinciaSãc^aCruz: 
porq  com  íer  um  grande,  nam  tem  ferras  (ainda  q  mui 
tv,)  nem  defeitos  nem 'alagadiços,  q  com  facilidade  fc 
nàm  polTâm  atraiieíFar.  Ale  difto  he  eftaprouincia  íem 
crautidi^M  a  meijhorperaa  vidado  homem  que  ca- 
da bua  das  outras  de  America,  por  fer comummente, 
de  bós  ares  & fertiíifsima  ,-&  em  gram  maneira  delei- 
loll  ôc  apraziuel  á  vifta  humana. 

*     O  fer 


8 


^^•^^^^•^AVAAV^Ar^A-lUXVli^f^^X.^JttiJtl..»!!^»!!.^ 


ifloafiooflooflooficoflooftoortotrflooft) 


HISTORIA  DA  PROVINCTA 
Õfcrcllatam  falutifera  &liuredemfcrmidadcs;procé 
dedosventosqgeralmentecurfamnella;osquaesfam 
Nordeftes  &  Sues,  &alguas  vezes  Leftes  &  Lesfueftes. 
Ecomo  todos  eftes  procedam  da  parte  do  mar ,  vê  tam 
puros  &  coados  ,quenam  fomente  nam  danam:  mas 
recream&acrecentamavidado  homem  .  A  viraçam 
deftes  ventos  entra  ao  meyo  dia  pouco  mais  ou  menos, 
&  dura  ate  de  madrugadarentam  ceflà  porcaufa  dos  va 
pores  da  terra  q  o  apagão,  E  quando  amanhece  as  mais 
das  vezes  eftá  o  çeo  todo  cuber to  de  nuues,  &  aísi  as  ma 
is  das  manhaãs  choue  neftas  partes3&  fica  a  terra  toda  cu 
berta  de  neuoa,  por  respeito  de  ter  m  uitos  aruoredos  q 
chamam  a  fi  todos  eftes  humores .  E  neftç  interualo 
fopra  hum  vento  brando  que  na  terra  fe  gera,  ate  que  ò 
Sol  cófeusrayos  o  acalma,&  entrando  o  vento  do  mar 
acoftumado,torna  o  dia  claro  &  fereno^  faz  ficar  a  ter* 
ra  limpa  &  desempedida  de  todas  eftas  exhalaçóes. 

5  Efta  prouincia  he  á  vifta  muy  delicioía  &  freíca  em 
gram  maneira;  roda  eftá  viftida de  muyalto&efpcíTo 
aruoredo,  regada  com  as  agoas  de  muitas  &  muy  prc# 
ciofas  ribeiras  de  que  abundantemente  participa  toda 
cerra;  onde  permanece  fempre  a  verdura  comaquella 
cemperança  da  primauera  q  cá  nos  ofFerece  Abril  & 
MayOtEiftocauíanamauerla  frios,né  ruínas  de  inuer 
no  quçoffcndam  a  fuás  plantas,  como  cá  oíFendem  ás 
nofías .  Enfim  que  afsi  fe  ouue  a  Natureza  com  todas 
a$çQufàsdeftaprouincia,&de  tal  maneira  fe  comedio 

na  temperança 


i»Miif.-*M»«a-Aaji,a>vâ^-.»to»aMifta»rMMa»»ii«»ai.w'«atttti?.ui»jtoM^ 


Tny*T*TTATT.YTTATttWTATT.YrTA^ 


SA  NCTA    CRV2.  *> 

na  temperança  dos  ares,  que  nunqua  nellaíe  fèntefríé> 
nem  quentura  excefsiua. 

f  As  fontes  que  ha  na  terra,  fam  infinitas ,  cujas  agoas 
fazemerecera  muitos  &  muy  grandes  riosque  poreíla 
cofta ,  afsi  da  banda  do  Norte,  como  do  Oriente  entra 
no  mar  Oceano.  Algúsdellesnacem  no  interior  doíèt 
tam,osquaes  vem  per  longas  &  tortuofas  viasa  buscat 
o  mesmo  Oceano :  onde  luas  correntes  fazem  áfaftar  as 
marinhas  agoas  por  força,&  entram  ncllecótantoim- 
petu  ,que  com  muita  difficuldadc  &  pei  igo  fe  pode  por 
ellesnauegaf .  Humdos  maisfamoíos&  principaesqj 
ha  neílas  partes,  he  o  das  Amazonas,  o  qtiallaeko  Nor- 
te nreyograoda  Equinocial  pêra  o  Snl?&  tem  trinta  ie- 
goasde  boca  pouco  mais  ou  meros.  Efte  rio  tem  naé 
trada  muitas  iihasqueodiuidem  emdíuerfas  partes,& 
nacedehúa  lagoa  queeflácemlegoasdpmafdoStilao 
pé  de  buas  ferras  do  Quico  prouincia  do  Perú,dóde  par 
tiram  jaalguas  embarcações  de  Caftelhanos,&  nauega 
doporelleabaixo,vieram  fairemo  mar  Oceano  meyo 
grão  da  Equinocial,q  feradiftancia  de  óoolegoas  per 
linha  direita,  nam  contando  as  mais  q  fe  acreceram  nas 
voltasquefazomesmo  rio.   <f Ontromuy grande cin- 
coenta  legoasdefte  pêra  Oriente  fae  também  ao  Norte, 
aquechamão  riodo  Maranhão.  Tem  dentro  muitas 
ilhas,&  bui  no  meyo  da  barra  q  eftá  pouoada  de  gétío, 
ao  longo  da  qual  podem  furgir  quaesqr  embarcações!' 
Terá  efte  rio  íete  legoas  de  boca.pola  qual  entra  tanta  a 

B        bundancia 


«""»""™^^"^»-^*"^"*™»™»^'árai^^ 


g»i£ãIiSaifitf(&X!SãriEsIiE2Zi]iãXiL2iIi^ai&2Ii&7i&li@I^7il 


HISTORIADA    PROVÍNCIA 

bundanciade  agoa  falgada,que  dahi  cinquoenta  legoas 
peioíertaodentro,he  nem  mais  nem  menos  comohú 
braço  de  mar,  ate  onde  fe  pode  nauegar  por  átre  as  ilhas 
fem nenhum  impedimento.  Aqui  fe  metem dous ri- 
os nelle  que  vem  do  fertam,  per  humdosquaes  entra- 
ramalgus  Portuguefes  quando  foy  do  descobrimento 
queforam  fazer  noannode  ij.ôc  nauegáramporelle 
acima  duzentas  &cincoenta  legoas,  ate  que  nam  pode 
ram  yr  mais  por  diante  por  caulà  da  agoa  ler  pouca  &  o 
rio  feyreftreitãdode  maneira, que  nam  podiam  ja  por 
clíe  caber  as  embarcações.  Do  outro  nam  descobrirão 
coufo  algúa,  &afsi  fe  nam  fabe  ategora  donde  procede 
ambos .  f  Outro  muy  notauel  fae  pela  banda  do  Ori- 
ente ao  mesmo  Oceano, aquechamão  de  famFrancis 
co:  cuja  boca cftá  em  dez  grãos  &  hum  terço,&  fera  me 
ya  legoa  de  largo .    Efterio  entra  tam  foberbo  no  mar 
&com  tantafuria,que  nam  chega  a  maré  aboca,  fome 
te  faz  algu  tanto  reprefar  fuás  agoas,&  dahi  três  legoas 
ao  mar  fe  acha  agoa  doce .  Correfe  da  boca,do  Sul  pêra 
o  Norte :  dentro  he  muito  fundo  &  limpo,&  podele  na 
uegar  por  cl.lé  atefelTenta  legoas  como  jafe  nauegou. 
E  dahi  por  diâte  fe  nam  pode  paflar  por  respeito  de  hfu 
<„  ;choeira  muy  grande  que  ha  nefte  pafíb,onde  cae  o  pc 
fo  da  agoa  de  muy  alto.  E  acima  defta  cachoeira  fc  mete 
o  mesmo  rio  debaixo  da  terra  &  vê  fair  dahi  hua  legoa: 
&  quando  ha  cheas  arrebenta  por  cima&arrafatodaa 
terra .  Efte  rio  procede  de  hú  lago  muy  grande  que  eftá 


inmnurmiii 


ggyiMFitOTiiCTiTroiTOffiWmfCTrasEnCTiraMTO^ 


SA  NCTA    CRV2. 


i© 


no  intimo  da  terra,onde  affirmao  que  ha  muitas  pouoá 
çóes,  cujos  moradores  (  íègundo  fama)  pofluem  gran- 
des aueres  de  ouro  &  pedraria .  ^  Outro  rio  muy  grani 
de  &  hum  dos  mais  efpantoíbs  do  mundo,  faepeía  mes 
ma  banda  doOriente  em  trinta  &  cinco  grãos,  a  que 
chamam  rio  da  Prata,o  qual  entra  no  Oceano  com  quo 
renta  legoas  de  boca:  &  he  tanto  o  impetu  de  agoa  do- 
ce que  traz  de  todas  as  vertentes  doPerú,queosnaue- 
gan  ces  primeiro  no  mar  bebem  fuás  agoas  , que  vejam 
a  terra  donde  efte  bem  lhesprojeede .  Duzentas  &íeté- 
ta legoas  porelleacima,eftá  edificada  hua  cidade  pouo 
adade  Caftelhanos^queíe  chama  Afcençam  .  Atequi 
le  nauega  porelle^&ainda  dahi  por  diáte  muitas  legoas. 
Nefte  rio  pela  terra  dentro  íè  vem  meter  outro  a  q  cha- 
mãoParagoahi,que  também  procede  do  mesmo  lago 
como  o  de  iam  Francisco  que  atras  fica. 
^  Alem  deftes  rios  ha  outros  muitos  y  que  pela  cofía  fi- 
cam, aísi  grandes  como  pequenos,  &  muitas  enfeadas, 
bahias,&  braços  de  mar,  de  que  nam  quis  fazer  mença, 
porque  meu  intento  nam  foy  lenam  escolher  ascòuías 
mais  notaueis  &  principaesda  terra,&  tratallas  aqui  fo 
mente  em  particular,pera  que  afsi  nam  foflè  notado  de 
prolujco  &  fatisfizeíTe  a  todos  com  breuidade. 

^Capítulo  3,  Das  capitanias  isrpouoacoes 
de  Tortuguefesque  ha  núta 
frouincia. 

B  %        Tem 


LAVAlVi AVJ  ttâ&llvi  ia  FSl  K-VtvYivXIL-lliJll 


\^1£ã-Eã>t^--1^-^-l^,l^liã^SlEJ\WifSãilS3[.,ES!EnS3r^3n 


fiiajsiiittfiiáf.miariEagarii 


HISTORIADA    PROVÍNCIA 

E  M  efta  prouincia  afsi  como  vay  lançada 
da  linha  Equinocial  pêra  o  Sul ,  oyto  capi 
tanias  pouoadas  de  Portuguefes,que  con- 
tem cadahúaem  fi,  pouco  maisoume- 
nos,cinquoentaiegoasdecofl:a,Scdemar 
caoíehuas  das  outras  per  húa  linha  laçada  Leftc  Oefte: 
&  aísi  ficam  1  imitadas  por  eftes  termos  étre  o  mar  Ocea 
no,  &  a  linha  darepartiçam  geral  dos  Reis  de  Portugal 
&Caftella.  AsquaescapitaniaselReyDomloáo  o  ter 
ceiro,  defejoíò  de  plantar  neftas  partes  a  Religiam  Chri 
ítaã,  ordenou  em  leu  tempo,  efcoihendo  pêra  o  gouer- 
no  década  húa  delias  vaflallosfeus de  langue  Scmere- 
cimento,  em  que  cabia  efta  confiança.  Os  quaes  edifi- 
caram fuás  pouoações  ao  longo  da  cofia  nos  lugares  ma 
is  conuènientes  &  accomodados, que  lhes  pareceo  pêra 
a  viuenda  dos  moradores .  Todas  eflarn  ja  muy  pouoa 
das  de  gente,  &  nas  partes  mais  importantes  guarneci- 
das de  muita  &  muy  grofla  artilharia  q  as  defende  &  af- 
feguradosimmigos,alsi  da  parte  domarcomoda  ter* 
ra ;  lunto  delias auia  muitos  índios, quando  os  Portu- 
guefes  começaram  de  as  pouoar:  mas  porque  os  mes- 
mos índios  fe  leuantauam  contra  elles  &  faziam  lhes 
muitas  treições,  os  gouernadores  &  capitães  da  terra  di 
ílruiramnos  poucoa  pouco  &  mataram  muitos  delles: 
outros  fugiram  pêra  o  fertão,&  aísi  ficou  a  terra  deíoceu 
pada  de  gentio  ao  longo  das  pouoações.  Algíías  aldeãs 
deites  índios  ficaram  todauia  orredor  delias ,  que  fam 

de  piz 


I»V*V.44VÍ».4k,í»i,**V4»,-.i»*!.UiViiVAMri*f.!4  4.Vii.WiVi4.VJl1 


Jtmiunun 


niyi^WTTraTff^ATTATTfryra7,TV\yT*TT^^^ 


&a 


SA-NCTA  CIVl 
«Fe  paz  &  amigos  dos  Portuguefcs  que  habitam  cftas  cá 
pitanias  .  E  pêra  que  de  todas  no  prefente  capitulo  faça 
mençam,namfarey  por  ora  mais  que  referir  de  cámif» 
nho  os  nomes  dos  primeiros  capitães  que  as conquiftá 
rão,&  tratar  precifamente  das  pouoaco.es, íitios,& por- 
tos onde  reíidem  os  Portuguefes ,  nomeando  cada  hua 
delias  em  efpecialaísicomo  vão  do  Norte  pêra  o  Sul  ru 
maneira  feguinte, 

f  A  primeira  &  mais  átigua  fe  chama  Tamaracá,  a  qual 
tomou  efte  nome  dehúa  ilha  pequena ,  onde  fua  poi^o 
açameftá  fituada .  Pcrolopezde  Soufa  foy  o  primeiro 
que  a  conquiftou  &  liuroii  dos  Françeíesyem  cujo  po- 
der eftaua  quando  a  foy  pouoar :  efta  ilha  cm  q  os  mora 
dores  habitam  diuide  da  terra  firme  hum  braço  de  mar 
quearodea^onde  também  feajuntam  algus  rios  q  vem 
doíertao .  Eaísi  ficam  duas  barras  lançadas  cada  húapc 
ra  fua  banda  ,  &  a  ilha  em  meyo :  per  hua  das  quaes  en- 
tram nauios  groífos  &  de  toda  forte ,  &  vam  ancorar  ju 
todapouoaçam  queeftádahimeyalegoa  pouco  mais, 
ou  menos.  Também  pelaoutra  que  ficadabandádç* 
Norte  fe  feruem  algtías  embarcações  pequenas, a  qual 
por  cauía  de  fer  baixa  nam  fofre  outras  mayores.  Defta, 
ilha  pêra  o  Norte,  té  efta  capitania  terras  muy  largas  & 
viçoías,nas  quaes  ojê  em  dia  eíleueram  feitas  gre  lias  fa- 
zendas,&os  moradores  foram  em  muito  maiscrecime 
to,&  florecéram  tanto  em  prosperidade  como  em  cada 
húa  das  outras,  fe  o  mesmo  capitam  Pêro  lop;  z  rcíidíu 

B   3         nella 


L«l*lfl<»ia>tJ>-.AáM41MálfJlWl^ra|fj; 


tA^AvJ.XviJ&ija/^iljpax<iiga'i?ajs^li 


isrigiiKgiggiístfiiiMiiaiii^ 


"     r-      HISTORIA  BA  PROVÍNCIA 

íiclla  mais  algusannosj&namãdefemparáranotem* 
pò  que  a  começou  de  pouoar. 
5  A  fegunda  capitania  que  adiante  fe  feguefc  chama 
Paranambuco :  a  qual  conquiftou  Duarte  Coelho, & 
edificou  fuá  principal  pouoaçam  em  hu  altoávifta  do 
manque  eftá  cinquo  legoas  defta  ilha  de  Tamaracá,em 
altura  de  oito  grãos .  Chamafe  Olinda,  he  hua  das  mais 
nobres  Ôcpopulofas  villas  que  ha  neftas  partes-  Cin- 
quolegoas  pela  terra  dentro  eftá  outra  pouoaçam  cha- 
mada Igaroçú ,  que  por  outro  nome  fe  diz  ,a  villa  dos 
Cofmos *  E  alem  dos  moradores  q  habitam  eftas  villas 
ha  outros  muitos  que  pelos  ingenhos  &  fazendas  eftáo 
eípalhados,  afsi  nefta  como  nas  outras  capitanias  de  q  a 
terra  comarcaá  toda  eftá  pouoada.  Efta  hehua  das  me- 
lhores terras,  &  que  mais  tem  realçado  os  moradores  q 
todas  as  outras  capitanias  dcftaprõuineia:  os  quaes  fo- 
ram fempre  muy  fauorecidos  &  ajudados  dos  índios  da 
terra, de  qtieakançáram  muitos  infinitos  eferauoscotn 
quegrangeam  fuás  fazendas.  Ea  eaufa  principal  de  eila 
ir  íempre  tanto auante no  creciméto  da  gente  ,foy  por 
t efidir  continuamente  nella  o  mesmo  Capitam  q  a  con 
quiftou,&  ler  mais  frequentada  de  nauios  defte  Reino 
por  eftar  mais  perto  dellequecadft  hua  das  outras  que 
a  diante  fe  íèguem  ,  Hua  kgoa  da  pouoaçam  de  Olin 
<da  pêra  o  Sul  eftá  hum  arrecife  ou  baixo  de  pedras,quc 
lie  o  porto  onde  entram  as  embarcações .  Tem  a  fet  uc- 
riapelapraya,  &  cambem  per  hum  rio  pequeno  q  pafla 


'.UV.>V.-1  IT.^LVilr.U; 


't.WF.Wr.WKWKWWWI 


I* 


s  anota  ciivt         : 

por  junto  da  mesma  pouoaçam. 
5  A  terceira  capitania  que  a  diante  fc  íeguc,hc  a  da  Bahia 
de  todos  os  San<ftos,terradelReynoflofcnhòr:naquaI 
refidem  oGouernador  &  Bispo ,  &  Ouuidor  geral  de 
coda  a  cofta.  O  primeiro  capitam  que  aconquiftou  & 
queacomeçou  de  pouoar,foy  Francisco  Pereira  Cou-? 
tinho ;  ao  qual  desbarataram  os  índios ,  com  a  forçada 
muy  ta  guerra  que  lhe  fezeram,a  cujo  impetu  nam  po- 
de reíiftir  ,  pela  multidam  dos  immigos  que  entam  íc 
conjuraram  por  todas  aqucllas  partes  contra  os  Por- 
tuguefes ,  Depois  difto ,  tornou  a  fer  reftituida  &  ou-* 
tpâ  j/ez  pouoada  por  Thoméde  Soula  o  primeiro  Go-, 
liernador  geral  que  foy  a  cftas  partes .  E  daqui  por  diati 
te  foram  fempreos  moradores  multiplicando cõ  mui- 
to acrecentamento  de  fuás  fazendas .  E  afsihuadasca- 
pitanias  que  agora  eftá  mais  pouoada  de  Portuguefes 
de  quantas  ha  nefta  prouincia ,  he  efta  da  Bahia  de  to- 
dos os  San&os.  Tem  três  pouoações  muy  nobres  & 
de  muitos  vezinhos ,  as  quacs  eftam  diftantes  das  de 
Paranambuco  cem  legoas,  em  altura  de  treze  grãos, 
A  principal  onde  refidem  os  do  gouerno  da  terra  ÔC 
a  mais  da  gente  nobre,  he  a  cidade  doSaluador.  Outra 
eftá  junto  da  barraca  qual  chamarc^villa  velha, que  foy 
a  primeira  pouoaçam  que  ouue  nefta  capitenia.  Depois 
Thomé  dcSoufa  fendo  gouernador  edificou  a  cidadedo 
Saluador  mais  a  diante  meyalegoa?por  fer  lugar  mais 

B  4      decente 


\mt*.mn+m<:+m.-.*.M*Lam.Êriim.iuAjrj+:mrJAà 


*iéWAAyjkiyAi^AVAXViAvJlv^^ 


[l^l^I^I^iaiijraiitf^^I^i^ 


HíSTOÍlTADA  PROVÍNCIA 
decente  &  prptieitofo  pêra  os  moradores  da  terra 5  Qui 
çrolegoas  pela  cerra  dentro  eftáoptrajque  íe  chama  Pa- 
ripè  que  támSe  cem  jurdiçim  ibbre  li  como  cada  hiu 
das  outras .Tòdaseftas ppuoaçõeseftão  ficundas ao  15 
godehuabahia  muy  grande  &fermòfa, onde  podem 
entrar  íeguraméce  quaesquer  nãos  por  grandes  q  íejao: 
â  qual  he  três  legoas  de  largo,  &  nauegaíequinze  por  ci- 
la dentro  .■  Tem  d  erro  em  íí  muitas  ilhas  de  terras  muy 
fitígulares ;  Diuideíc  em  muitas  partes,&  tem  muitos 
braços  &  enleadas  por  onde  os  moradores  leferué  cm 
garços  pera  Tuas  fazendas. 

3'À,  quarta  capitania,  que  hea  dos  Ilheos  fe  deu  a lorge 
c  Figueiredo  Corrêa,  fidalgo  da  cafadelRey  noflblc- 
çKon&pòrfcu  m^ndadoafoypouoarhum  ioarn  Dal 
stieida,o  qualedrficouíuapouoaçam  trinta  legoas  da 
Bahia  de  todolos  Sanclos,  cm  altura  de  quatoize  grãos 
&dous terços . Eftá pouoaçamhe hua  viila  muy  ferino 
ía  5ç  de  muitos  Vczinhos,a  qual  cila  em  cima  de  húa  h 
deira  avilta  do  mar,fituadaao  longo  de  hum  rio  onde 
entram  os  nauios .  Efterio  também  fe  diuide  pela  terra 
dentro  em  muitas  partes  junto  do  qual  tem  os  mora- 
dores da  terra  toda  a  grangeria  de  luas  fazendas:  pera  as 
cjuaes  fe  feruem  por  elle  em  barcos  Ôc almádias  comio  os 
da  Bahia  de  todos  os  Santos, 

«f  A  quinta  capitania  a  que  chamam  Porto  Seguro,coa 
qujftòu  Pêro  do  Campo  Tourinho.  Tem  duas  pouci- 
açó;s  que  eftam  diftantes  da  dos  Ilheos  trinta  legoas 

cm 


lAUft  Juaà.  «»uuí»,vusu  aoBAj 


iTxmwfjmw.vww!tMW.VÊ^ 


SANCTA,  ÇRVL  t$ 

cm  altura  de  dezafeis  grãos  &  tneyo:  entre  as  quaes 
fe  mete  hum  rio  que  faz  hum  arrecife  na  boca  como 
enfeada  ,  onde  os  nauios  entram.  A  principal  pouo- 
açam  eílá  íuuada  em  dous  lugares  ,  conuem  a  íaber^ 
parte  delia  em  hum  tefo  foberboque  fica  lobreo ro- 
lo do  mar,  da  banda  do  Norte,  &  parte  emhuavat 
z.ca  quê  fica  pegada  com  o  rio .  A  outra  pouoaçatn 
a  que  chamam  Sahfto  Amaro  ,  eftá  hua  legoa  defte 
rio  pêra  o  Sul .  Duas  legoas  dcfte  mesmo  arrecife  ^ 
pêra  o  Noite  tftá  outro,  qúe  he  o  porco,  onde  en- 
trou a  frota  quando  efta  prouincia  íe  descobrio  .  E 
porque  entam  lhe  foy  poílo  efte  nome  de  Porco  fe- 
gurò  ,  como  a  trás  deixo  declarado,  ficou  dahi  a  ca- 
piraniacorn  o  mesmo  nome  :  &  por  iflb  iediz  Por- 
to Seguro. 

5 -A  lcxta  capitania  he  a  do  Spirito  San&o  ,  a  qual 
conquiftou  Vafco  Fernandes  Coucinho .  Sua  pouoa- 
çam  eftá  íituada  em  hua  ilha  pequena  ,  que  fica  di- 
Itante  das  pouoaçóes  de  Porco  Seguro  iellenta  legoas 
em  altura  de  vinte  grãos.  Rita  ilha  jaz  dentro  de  hum 
rio  muy  grande  ,  de  cuja  barra  difta  hua  legoa  pelo 
fertam  dentro  :  no  qual  fe  maca  infinito  peixe,  &pe 
lo  confeguinte  na  terra  infinita  caca  ,  de  que  os  mó; 
radores  continuamente  fam  muy  abadados.  E  âísi 
heefta  a  mais  fértil  capitania  &  melhor  prouida  de 
todos  os  mantimentos  da  terra  que  outra  algúa  que 
aja  na  cofia. 

f  A  feptima 


kA',U^AXvi^UA.^irar^ixc^f^/riir^i;dfrrtif^: 


'ifiggaBgiEiigaiiaiEgiiiaiEaiEJtEaiiayigai^^! 


1  HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 

«f  Afcptíma  capitania,  hc  a  do  Rio  de  Ianciro:a  qual 
conquiftou  MendeSá,&  a  força  darmas,offerccidoa 
muy  perigofoscombatcsaliurou  dos  Francefes  que  a, 
oçcupauam  ,  fendo  Goúernador  geral  deftaspartes. 
Tem  huapouoaçama  que  chamam  Sam  Sebaftiam  ] 
cidade  muy  nobre  &pouoada de  muitos  vezinhos  ,  a 
qual  eftá  diftanteda  doSpiritu  Sanftofetéta&cinquo 
legoas  em  altura  de  vinte  &  três  grãos .Efta  pouoaçam 
eftá  junto  da  barra,edificada  ao  longo  de  hum  braço  de 
mar:  o  qual  entra  fete  legoas  pela  terra  dentro,  &  tem 
cinco  de  trauefla  na  parte  mais  larga ,  &  na  boca  onde 
he  mais  eftreito  auerá  hum  terço  de  legoa  *  Nomeyo 
defta  barra  eftá  hua  lagea  que  tem  cincoenta  &  íeis  bra 
ças  de  comprido ,  &  vinte  &  féis  de  largo ;  na  qual  fe  po 
de  fazer  hua  fortaleza  peradefenfam  da  terra  íè  coprír. 
Efta  he  hua  das  mais  feguras  &  melhores  barras  que  ha 
neftas  partes ,  pela  qual  podem  quaes  quer  nãos  entrar 
&íairatodo  tempo  fem  temor  de  nenhum  perigo.  E 
afsi  as  terras  que  ha  nefta  capitania^tambem  Iam  as  me 
lhores&  mais  aparelhadas  pêra  enriquecerem  os  mera 
dores  de  todas  quantas  haneftaprouinciar&osquela 
forem  viuer  com  efta  efperança ,  nam  creyo  que  fe  acha 
ràm  enganados. 

«[A  vitima  capitania,  he  a  de  Sam  Vicente,  a  qual  con- 
quiftou Martim  Afonfode  Soulà:  tem  quatro  pouo- 
açóes .  Duas  delias  eftam  fituadas  em  hua  ilha  que 


|  diuide 


llViva  ivA«Jtm»im»uii«tm 


f,W!7Ti>XT<.yTO?,l 


f  .W.T.fWTT.-.TT.YT  FATTATTAT  TATTAT 


r.«  TAT  T.'.r,T)Ty|^ 


SANCTA    CHVL  li 

diuidehum  braço  de  mar  da  terra  firme  £  maneira  de 
rio  •  Eftameftas  pouoações  diftantesdo  rio  de  lanei- 
to  quorenta&  cinco  legoas,  em  altura  de  vinte  &  qua- 
tro grãos  *  Efte  braço  de  mar  que  cèrcà  eftailha  tem 
duas  barras  cada  húa  pêra  lua  parte  .  Hua  delias  hc 
baixa  ,  Sc  nam  muito  grande  ,  por  onde  nam  po- 
dem entrar  fenam  embarcações  pequenas :  ao  longo 
da  qual  eftá  edificada  a  mais  antigua  pouoaçam  de 
todas  a  que  chamam^Sam  Vicente  .  Hua  legoa  & 
meya  da  outra  barra  (  que  he  a  principal  por  onde 
entram  os  nanior  grofíbs ,  &  embarcações  de  toda 
maneira  que  vem  1  efta  capitania  )  eftá  a  outra  po- 
uoaçam  chamada  Sanélos ,  onde  por  refpeito  delias 
cfcallas ,  refide  o  capitam ,  ou  feu  logo  tente  com  os 
offíciaesdoconfelho&gouerno  da  terra.  Cinco le- 
goas  pêra  o  Sul ,  ha  outra  pouoaçam  a  que  chamão 
Hitanhaém  .  Outra  eftá  doze  legoas  pela  terra  den- 
tro chamadaJSam  Paulo, que  edificáramos  Padres  da 
Companhia  ,  onde  ha  muitos  vezinhos,  &  a  mayor 
parte  delles  fam  nafeidos  das  índias  naturaes  da  ter- 
ra ,  &  filhos  de  Portuguefes .  Também  eftà  outra 
ilha  a  par  defta  da  banda  do  Norte ,  a  qual  diuideda 
terra  firme  outro  braço  de  mar  que  fe  vem  ajuntar 
com  efte :  em  cuja  barra  eftam  feitas  duas  fortalezas, 
cada  hua  de  fua  banda  que  defendem  efta  capitaria 
dos  índios  &  coflairos  do  mar  com  ârtelharia  deque 

eftam 


•X^VAAV^AVAAViA'.UA.^i:jf»iioi/yiTi^Ar.^K.iiyrt<.A: 


sa<!EgiBgiEgiiiiai^Mi^iiiaiEaiSaiEai!!aigaii^iEyiEJiBMiiCTtEJiissrn 


1 


3 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 
èftarn  muy  bem  apercebidas .  Por  efta  barra  fe  fer- 
iriam antiguamente  ,  que  he  o  lugar  por  ondecoftu 
mauam  os  immigos  de  fazer  muito  damno  aos  mo 
radores» 

f  Outras  muiras  pouoaçõcs  ha  por  rodas  e fias  capi- 
tanias, alem  deftas  de  que  tratey  ,-onde  rcfidemmui- 
Ntos  Portuguefes:  dasquaes  na^m  quis  aqui  fazer  men 
çam,pornamfer  meu  intentar  noticia  fenamda- 
uellasmais  afbinaladas/>que  iam  as  que  tem  offkiaes 

e  juftiça,&jurdiçamfobreíicomoqtialquervillaoa 
cidade  deites  Reinos. 


T  Capitulo  4.  Dagouermma  que os  mm* 
dores  de/ias  capitanias  tem  neíias 
fartes,&*  a  maneira  de  co»  * 

mofe  bãoem  feu  modo 
de  Viuer. 


E  P  O  I  S  que  efta  prouinda  Sanita 
Cruzfe  começou  de  pouoarde  Portuguc 
íes,fempre  cfteue  inftituidaé  huagouer 
nança ,  na.qual  afsiftia  gouernador  geral 
•por  clRey  noflb  fenhor  cem  alçada  íòbre 
os  outros  capitães  que.refidem  em  cada  capitania ,  Mas 

porque 


tnuummimiwiimiMiiiuiiim^BH 


li 


SANTA    CRVZ.  tj 

porque  dehuas  a  outras  ha  muita  diílancia,& a  gente 
vay  em  muito  crecimento,reparuofe  agora  em  duas  go 
uernações,conuem  afaber,  da  capitania  de  Porco  fegu- 
ro  pêra  o  Norte  fica  hua ,  &  da  do  Spirico  Saneio  pcra  o 
Sul  fica  outra:  &  em  cada  hua  delias  afsifte  feugouerna 
dor  com  a  mesma  alçada .  O  da  banda  do  Norte  refidc 
na  Bahia  de  todolos  Sanótos ,  &  o  da  banda  do  Sul  no 
Riodelaneiro.  Eaísi fica  cada humcm  meyo  defuas 
jurdições,pera  deíla  maneira  poderemos  moradores 
da  cerra  fer  melhor  gouernados  &  á  cufta  de  menos  tra- 
balho. Evindoaoquecocaaogouernode  vida&fu- 
ftentaçam  deftes  moradores ,  quanto  ás  cafas  em  q  vi- 
nem  de  cada  vez  fe  vão  fazendo  mais  cuftofas  &  de  me- 
lhores edifícios:  porque  em  principio  nam  auia  outras 
naterra  fe  nam  de  taipa  5c  terreas,cubertas  fomente  co 
palma .  E  agora  ha  ja  muicasfobradadas  &  de  pedra  & 
cal,  telhadas  8c  forradas  como  as  defte  Reino,  das  quaes 
Ma  ruas  muy compridas  &fcrmofas  nasmais  daspouo 
açoesdequcfizmencam.  E  afsiantes  de  muito  tépo 
(fegundoagente  vaicrecendo)  feefperaque  ajaoutros 
muitos  edifícios  &  templos  muy  fumptuofos  comqu- 
de  todo  feaeabe  nefta  parte  a  terra  de  ennobrecer.  Os 
mais  dos  moradores  que  por  eftas capitanias  eflam  efpa 
lhadosou  quafi  todos, tem  luas  terrasde  fefmaria  da- 
das &  repartidas  pelos  capitães  &  gouernadores  da  ter- 
ra.  E  a  primeira  couía  que  pretendem acquirir,  iam  ef- 
crauos  pêra  nellas  lhes  fazem  fuás  fazendas :  &  fehua 

peíToa 


LVXAf.UAV.Atf.'jLXVlA»«ii..ril  .lJ^lIOTf^f^r..^ 


i 


OOAÇOACO  AoòACOAÔ&A*»  AOÒAOO, 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 
peffba  chega  na  terra  a  alcançar  dous  pares/)  n  mcya  dá 
ziadelles  (ainda que  ou tracoufa  nam  tenha  de  feu)lo- 
go  tem  remédio  pêra  poder  honradamente  fuftétarfua 
família .:  porque  hum  lhe  pefca,&  outro  lhe  eaça,os  ou- 
tros lhe  eultiuão  &  grangeão  fuás  roças>&  defta  manei- 
ra nam  fazem  os  homés  despefa  cm  mantimentos  com 
feus  eícrauos,nem  com  fuás  peflbas ,  Pois  daqui  fe  pode 
infirir  quanto  mais  feram  acrecentadas  as  fazendas  da- 
quelles iquç  teucrem  duzétos,  trezentos  eferauos,  como 
ha  muitos  moradores  na  terra  que  nam  tem  menos  de 
fta  contia  &  dahi  pêra  cima  *  Eftes  moradores  todos  pe- 
la mayor  parte  fe  tratam  muito  bem ,  &  folgam  de  aju- 
dar hus  aos  outros  com  feus  eferauos  &  fauorecem  mui 
to  os  pobres  que  começam  a  viuer  na  terra.  Ifto  geral- 
mente fe  coftuma neftas partes ,& fazem  outras  mui- 
tas obras  pias,  por  onde  todos  tem  remédio  de  vida  & 
nenhum  pobre  anda  polas  portas  a  mindigar  como  ne« 
ftes  Reinos» 

qCapit.j,  T)m plantas '^mantimentos^ finitas' 
que  ha  m/la  prouincia. 
AM  tantas &tam  diuerfasasplantas,frui 
tas,&  heruas  que  ha  nefta  prouincia , de  q 
fe  podiam  notar  muitas  particularidades, 
gy  que  feria  coufa  infinita  efcreuelas  aqui  to- 
das &  dar  noticia  dos  efFeclos  de  cada  hua  meudaméte. 
E  por  iíío  nam  farey  agora  mencam/e  nam  de  alguas  é 

articular 


fMmhT*mifm>mr*im!.-+  iw»  »>m  ma.-a  araa  wm^j 


iByiBgTvgtCTTvgngfiwiEJBCTrogiiyCT 


SANCTA    G  RVZ.  té 

particular,principalmctcdaqllas,decuiâ  virtude  &frui 
to  participam  os  Portuguefes.  Primeiraméte  tratarei  da 
planta  &  raiz  de  q  os  moradores  fazem  feus  mantimen 
tosq  lácomememlugardepão.  A  raiz  fe  chama  Man- 
dioca^ á  planta  de  que  fe  gera,  he  da  altura  de  humho 
me  pouco  mais  ou  menos.  Efta  planta  namhe  muito 
groíTa,&  tem  muitos  nos:  quando  a  queré  plantaré  al- 
gíía  roça,  corta  na  Scfazénaem  pedaços,osquaes  mete 
debaixo  da  terra,depois  de  culriuada  como  eftacas,&  da 
hi  tornam  arrebentar  outras  plantas  de  nono :  Secada  e- 
ftacadeftas  cria  três  ou  quatro  raizes&dahi  pêra  cima 
(fegundo  a  virtude  da  terra  e  m  q  fe  plantadas  quaes  poe 
noue  ou  dez  meles  emfe  crianfaluoem  Sam  Vicente  q 
põem  três  annos  por  caufa  da  terra  fer  mais  fria.  Eftas 
raizes  a  cabo  deftetépofefazémuy  grades  á  maneira  de 
Inhames  de  S.Thomé,  ainda  q  as  mais  delias  fam  com 
pridas,&reuoltasdafeiçamdc  corno  de  boy.E  depois 
de  criadas  defta  maneira,fe  logo  as  nam  queré  arrancai: 
pêra  comer,cortãlhe  a  plãta  pelo  pé,&  afsi  eftam  eftas  ra 
izes  cinco/èis  mefes  debaixo  da  terra  em  fuaperfeiçam 
fem  fe  danaré:&  em  S.  Vicéte  feconferuão  vinte,  trinta 
annos  da  mesma  maneira.  E  tanto  q  as  arrancam,  poé 
nas  a  conir  em  agoa  três  quatro  dias,&  depois  de  corri- 
das, pifam  nas  muito  bem. Feito ifto  metem aquella 
maífa  em  huas  mangas  compridas  &  eftreicas  q  fazem 
de  húas  vergas  delgadas,tecidas  á  maneira  de  cefto:&  ali 
aefpremem  daqlle  çumo/le  maneira  q  nam  fique  dele 

nenhua 


>áMiirwiB^«'iVAfettra»^^ 


l&T&ttT&mT&J&UZT>2XLnV3 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 
ncnhuacoufa  por  esgotar  .-porque  hetam  peçonhen- 
to, &  em  tanto  extremo  venenofo ,  que  fe  húa  peflba 
ou  qualquer  outro  animal  o  beber ,  logo  naquelle  in- 
ítante  morrerá .  E  depois  de  afsi  a  terem  curada  deíb 
maneira  poem  hum  alguidar  fobre  o  fogo  em  que  a  la- 
çam, a  qual eftámeixendo  húa  índia  ateque o  mesmo 
fogo  lheacabede  gaftaraquella  humidade  &  fique  en- 
xuta &  dispofta  pêra  fe  podercomer ,  que  fera  por  efpa 
ço  de  meya  hora  pouco  mais  ou  menos ,  Efte  hc  o  man 
timentoaquechamlo  farinha  de  pao,  com  que  os  mo- 
radores &gentiodcfta  prouincia  fe  mantém ,  Ha  toda 
Uia  farinha  de  duas  maneiras;  húa  íê  chama  de  guerra 
&  outra  fresca ,  A  de  guerra  fe  fazdefta  mesma  raiz ,  Sc 
deqois  de  feita  fica  muito  feca,&  torrada  de  maneira  q 
dura  mais  de  hum  anno  femfe  danar,  A  fresca  he mais 
mimofa&  de  milhorgofto:  mas  não  dura  mais  que  do 
us  ou  três  dias,&  como  pafla  dcllesjogo  fe  corrompe, 

Defta  mesma  Mandioca,  fazem  outra  maneira  de  mã- 
timentosque  íèchamáobeijús.osquaes  iam  de  feição 
de  obrcas,masmaisgroíros1Scaluos,!Scalgúsdelles  et 
ilendidos  da  feição  de  filhos .  Deites  vfam  muito  os 
moradores  da  terra  (principalmente  os  da  Bahia  de  to* 
dolos  Santfosjporquc  fam  mais  íabrofos  &  de  melhor 
diiiltao  que  a  farinha. 

f  Também  ha  outra  çafta  de  Mandioca  que  tem  diffe- 
rente  propriedade  defb,aque  por  outro  nomechamão 
Aipim,  da  qual  fazem  hús  bolos  em  algúas  capitanias, 

que 


l».4iru».*».»»,»li,*».**V4fc.4*.Vi*V4J 


r*TT.TCT,nTfrf«riWWTATi«r,rATWMw« 


'$    SANCTA    CR  Vi  %7 

que  parecem  no  fabor  que  excedem  a  pão  fresco  deíle 
Reino .  O çumo  deíla  raiz nam  he  peçonhento ,;  como 
oqueiaedaoutra,nem  fazmal  a  nenhúaeoufa  ainda 
quefe  beba ,  Tábem  fecome  a  mesma  raiz  aíTada co- 
mo batata  ou  inhame:  porque  de  toda  maneira  feachi 
nella  muito  gofto.  Alem  deftemantimenco^ha  na  ter- 
ra muito  milho  zaburro  de  quefe  faz  pão  muito aluo^ 
&  muito arroz,&  muitas  fauas  dedifferentes  caftas,  & 
outros  muitos  legumes  que  abaftam  muito  aterra* 
f  Húa  planta  fe  dá  também  nefta  prouíncia/jne  íoyéd 
ilha  de  Sam  Thomé,com  afruita  da  qual  leajudam 
muitas  peííòasa  fuftentar  na  terra.  Efta  plantahe  muy 
tenra  &  nam  muito  alta,  nam  tem  ramos  fenam  buas 
foihasque  feram  féis  ou  fete  palmos  de  cóprido ;  A  frui- 
rá delia  fe  chama  bananas :  parecenfe  na  íeiçhtn  com  pc 
pinos^&criamfeemcaçhos.-âlgusdellesha  tam gran- 
des que  tem  de  cento  &  rincoenta  bananas  pêra  cima* 
E  muitas  vezes  he  tamanho  o  pefo  delias, que  acontece 
quebrara  plãta  pelo  meyo  .Como  fam  de  vez  colhem 
eftes  cachos, &  dali  a  algas  dias  amadurecem.  Depois 
de  colhidos ,  cortam  efta  planta,  porque  nam  frutifica 
mais  qne  a  primeira  vez:mas  tornam  logo  a  nacer  delia 
bus  filhos  que  brotam  do  mesmo  pé ,  de  que  fe  fazem 
outros  femelhantes .  Efta  fruita  he  muy  íabroía ,  &  das 
boas  q  ha  na  terra:  tem  húa  pelle como  de  fig*  (  ainda  q 
maisdurajaqual  lhe  lançam  fora  quando  a  querem 
çomenmas  faz  damno  á  faude  &  caufa  feure  a  quem  fe 

C  desmanda 


im«aw»Jw««fr-«y«iM^^ 


J  m\ 


iimi\sm\w^S^SIIS^wx^w^lT^X'y7,ffi9,T,'nr,t,y,vr^v.T\ 


HISTORIADA    PROVINCIA 

«desmanda  nella. 

•I  Huasaruores  ha  também  neítas  partes  muy  altas  a  ^ 
chamão Zabucáes :  nasquaesfe criam  hus  vaios  tama- 
nhos como  grandes  cocos,quafida  feiçam  de  jarras  da 
índia.  Eíles  vafos  fam  muy  duros  em  gram  maneira, 
&eftamchcos  de  huascaftanhas  muito  doces  &  fabro- 
fas  em  extremo :  &  tem  as  bocas  pêra  baixo  cubertas  ca 
huas  çapadoiras,que  parece  realmente  nam  ferem  afsi 
criadas  da  natureza  >fenam  feitas  per  artificio  deindu- 
ftria  humana.  E  tanto  que  as  taescaftanhas  fam  madej 
ras,  caem  elfos  çapadoiras>&  dali  começam  as  mefmas 
caftanhas  também  a  cair  pouco  a  pouco  ate  nam  ficar 
íienhúa  dentro  dos  vaíos. 

f  Outra  fruitaha  nefta  terra  muiro  melhor>&  mais  pre 
Z*d  i  dos  moradores  de  todas,que  fe  cria  em  hua  planta 
humilde  junto  do  chão :  a  qual  planta  tem  huas  pencas 
como  de  heruababoíà .  A  efta  fruita  chamao  Ananazes. 
&.  nacem  como  alcachofrcs^os  quaes  parecem  natural 
mente  pinhas,  &  fam  do  mesmo  tamanho  &  algíis  ma 
yores.  Depois  que  fam  maduros^tem  hum  cheiro  muy 
fuaue>&  coméfe  aparados  feitos  em  talhadas .  Sam  taiu 
fabrofos,que  a  juizo  de  todos^nam  ha  fruita  nefte  Rei- 
noqnogofto  lhes faça ventagem.  Eafsifazem  os  ma 
radoresporelIesmais,&  os  temem  mayoreftima,quc 
outro  nenhum  pomo  que  aja  na  terra. 
5  Ha  outra  fruita  que  nacepelo  mato  em  huas  autores 
tamanhas  como  pereiras  ,ou  macieiras  ;a  quaihe  da  fei 

cana 


**mm.-.-+MM*í>TAÉ,.rM.*vM.av*m*-+Mb-A*M*AT*mMmi*-AmrfA**^a^*m]^Ê^ 


IiyiCTTOraT«TCTTCTI^WgTCTiraCT^ 


SA  NCTA    CftVZ.  iS 

fam  de  peros  repinaldos,&  muito  amarella-  Âeftafruí 
ta  chamão Cajus:  tem  muito  çumo$&comeíè  pela  cal 
ma  pêra  refrescar  ^porque  hcellade  fua  natureza  mui- 
to fria ,  &  de  marauilha  faz  malyainda que  íe  defmandé 
nella.  Na  ponta  de  cada  pomo  deites  le  cria  hum  caro 
ço  tamanho  como  caftanhadafeiçamdefaua  :o  qual 
mcc  primeiro,  &  vem  diante  da  mesma  fruitacomo 
fior .  Acafcadel!ehcmiiitoamargo{âcmextremo,&  a 
meolo  afifado  hc  muito  quente  de  íua  propriedade^ 
maisgoftofo  que  amêndoa. 

^  Outras  muitas  fruitas  haneftaprouínciade  diueríâs 
qualidades  comuas  a  todos ,&fam  tantas , que  jafe a 
cháram  pela  terra  dentro  alguas  peíToas  /as  quaes  ícíu- 
ftentáram  com  ellas  muitos  dias  íèm  outro  manti- 
mento algum .  Eftas  que  aqui  efcreuo ,  fam  as  que  os 
Portuguefestern  entre  íi  em  mais  eftima,&asmelho 
res  da  terra .  Alguas  defte  Reino  fe  dam  também  ne- 
íhs  partes, conuemafaber, muitos  melões,  pepinos, 
romãs  ,  &  figos  de  muitas  caftas  :  muitas  parreiras 
que  dão  vuas  duas  três  vezes  no  anno ,  &  de  toda  ou- 
tra fruita  da  terra  ha  fempre  a  mesma  abundância, 
por  caufa  de  namauer  la  (como  digo)  frios, que  lhes 
façam  nenhum  perjuizo .  De  cidras  ,  limôes,&  la- 
ranjas ,  ha  muita  infinidade  ,  porque  fe  dão  muiço 
na  terra  eftas  aruores  de  efpinho  &  multiplicam  ma- 
is que  as  outras, 

5  Akm  das  plantas  que  produzem  de  ÍI  eftas  fruitas,  & 

C  2.       mantí- 


.a* 


àMMà!áa«*mir»a-,iatt»tfA'AV^^ 


regrar  Errara 


HISTORIADA    PROVÍNCIA 

tnjintimcntos  que  na  terra  fe  comem :  ha  outras  déque 
os  moradoras  fazem  fuás  fazendas  ,  conuem  a  faber, 
muitas  canas  daçucre  &  algodoaes,que  he  a  principal  fa 
zendaque  ha  neftas  partes,  de  que  todos  fe  ajudam  & 
fazé  muito  proueito  em  cada  húa  deftas  capitanias,  ef- 
pecialméte  nade  Paranambuco,quefam  feitos  pertode 
trinta  engenhos, ScnadaBahia  do  Saluador  quaíi  ou- 
tros tantos, donde  ic  eira  cada  hum  anno  grande  quan- 
tidade daçucares,  &  fe  dá  infinito algodam,&  mais  fem 
cõparaçam  q  em  nenhua  das  outras .  Também  ha  mui 
to  paobrafil  neftas  capitanias  de  que  os  mesmos  mora- 
dores alcançam  grande  proueito :  o  qual  pao  fe  mofíra 
claro,  fer  produzido  da  quentura  do  Sol ,  &  criado  corri 
a  influencia  de feusrayos, porque  nam  íè  achafenam 
debaixo  da  Torridazona  :&alsfquátomais  perco  cfti 
da  linha  Equinocial,  taco  he  mais  fino  &  de  melhor  tia 
ta  .  Eeftaheacaufaporqueonamhanacapitaniade  S» 
Vicente, nem  dahi  pêra  o  Sul. 

^  Hum  certo  género  de  aruores  ha  também  pelo  mata 
dêtro  na  capitania  de  Paranambuco  a  que  chamam  Co 
pahíbasdeq  letira  balfamo  moy  faluufero&  prouei- 
toíbem  extremo  pêra  infirmidadesde  muitas maneí- 
ras,principalmente  nas  que  procedem  de  frialdade  cali- 
fa grandes  effeébos  &  tira  todas  as  dores  por  graues  q  fe- 
jam  em  muito  breue  clpaço.  Pêra  feridas  ou  quaesqr 
cimas  chagas,tem  a  mesma  virtuderasquaes  tantoque 
cqmelle  lhe  acodem,  faram  m  uy  deprefla,  &  tira  os  b- 

nae* 


MUU  A.VA.  JL3U  A>u--a'^TjtA'««.»A'a.f"  'MM'— 11  IT| 


rx.%TT.%Tr.-.Ti 


S  ANCTA    CRV2.  19 

haes  de  maneira,  q  de  marauilha  fe  enxerga  onde  cfte- 
ueramj&niftofazventagem  a  todas  as  outras  mediei- 
cinas.Efteolconamfeacha  todo  anno  perfeitamente 
neftasaruores  ,nem  procuram  ir  buscalo  ,(cnam  no  c- 
ftio,  q  hc  o  tempo  em  que  afsinaladamentc  o  crião .  E 
quando  querem  tiralo, dam  certos  golpes  ou  furos  no 
tronco  delias,  pelos  quaes  pouco  a  pouco  eftam  eftilã 
dodoamagoefte  licor  preciofo.  Porénam  (cacha  era 
todas  eítas  amores  ,íènám  em  algúas  a  que  por  cfte  ref- 
peito  dão  nome  de  fêmeas:  &  as  outras  que  carece  dellc 
chamam  machos,&nifto  fomente feconl  eccadifferé 
ça deftes  dous géneros :  q  na  proporçam  &  femelhança 
nam  difFerem  nada  húas  das  outras .  As  mais  delias  fe  a 
cham  roçadas  dos  animaesq  per  inftinto  natural quan 
do  fe  fentem  feridos,  ou  mordidos  de  algfia  fera , as  vão 
buscar  pêra  remédio  de  fuás  infermidades, 
tf  Outras  amores  differentesdeftas,  ha  na  capitania  dos 
ilheos^&nado  Spiritu  SanéloaquechamãoCaborahí 
bas,de  q  també  jc  tira  outro  balfamo:  o  qual  fae  da  cas- 
ca da  mesma  aruore;&cheirafuauifsimamétc.  Tambe 
aptoueica  pêra  as  mesmas  infermidâdcs^&aquellcs  que 
o  alcançam  téno  cm  grande  eítima  &  vr ndeno  por  mui 
to  preço:  porq  alem  de  as  tacs  aruores  ft  lé  poucas,cotrc 
muito  rilcoaspcíloasq  ovam  buscar  por  cauía  dosimi 
gosque  audam  lempre  naquclla  parte  emboscados  pe- 
lo mato,&  nam  perdoam  a  quantos  acham, 
f  Também  ha  húa  certa  aruore  na  capitania  de  S.  Vice 

C  3  te  que 


ià!S±VSAVSAA!JlA!>li.'S±L.4MIC^m^ 


■  - 


M^BraBMSÍg^li^HIBÍfflMRifea^tBMfl^^^ 


HISTORIADA    PROVÍNCIA 
te  que  fe  diz  pela  linguá  dos  índios  Obiri  paramaçacij  q 
quer  dizer  pao  pêra  in  ftrmidades:com  o  leite  da  qual  íb 
mécecp três gous.purgahuapeíroa por  baixo  &  porci- 
magrádemente.E  fe  tomar  quantidade  de  hua  cafca  de 
noz,  morrerá fem  nenhua  rerniíTatm 
f  Doutras  plantas  Scheruas^nani  dam  frui  to,  nem  fe 
fabe o  pêra  q  preftam ,  fe  podia  efcreuer  muitas  coufas 
de  que  aqui  nam  faço  mençam,porq  meu  ínten^não 
foy  lenam  dar  noticia(como  ja  diíTeJ  deitas  de  cujo  frui 
tofeaproueitam  os  moradores  da  terra.  Somente  tra- 
carey  dehua  muy  nojtaue^cujaqualidadefabida  creyo 
cj  em  toda  parte  caulàrá  grade  efpanto.  Chamafe  herua 
viua,  &  tem  algua  femelhança  de  fyluam  macho .  Quá 
doalguemlhe  toca  com  as  máoSj.ou  com  qualquer  ou- 
tra coula  que  feja,  naquelle  moméco  fe  encolhe  &  mur 
cha  de  mancira,que  parece  criatura  ferríi tiuaque  fe  ano 
ja  &  recebe efcandalo com  aqlle  tocamento.  E  depois 
queaíroifega^omo  coufa  jaefquecidadefteagrauo5tor 
na  logo  pouco  a  pouco  aeftenderfe  ?ate  ficar  outra  vez 
tam  rubufh  &  verde  como  dates .  Efta  planta  deue  ter 
algua  virtude  muy  grande  a  nos  encuberta,cujo  efle&o 
namfera  pela  ventura  de  menos  admiraçam.  Poiq  fa- 
bemosde  todas  as  heruas  que  Deos  criou  ,  terçada  hua 
particular  virtude  com  que  fkeífem  diuerlas  operações 
naquellas  coulàs  peracuja  vdlidade  foram  criadas:  qua- 
to  maiscftaaqa natureza niftocantoquisalsinalar^dí 
dolhe  hu  ú  eftranho  fer,  &  diffcréce  de  todas  as  outras. 

5  Capituío. 


i».»«™  «w  it.mm».*k.«iw  <wm».mm 


uy,B»wra7i 


Fr/.TT..7T/.TT/.TrAyT.'.Tr.-.TT.VTT.VTT.'.TTATT.-.TT.?ryATrAlT.%TT..JtO^ 


SANCTA    CRVZ.  SI 

f  Crf^/f.  £.  Dos-unimaes  &  bkbosVcmnofos 
que  -bane/la  pronincia. 

Omo cila prouinciafejatam grande, &  a 
mayor  parte  delia  inhabitada  &  chea-de  ai 
tifiimosaruorcdos  &  efpefíbs  matos \  na 
he  defpantar  que  aja  nelía  muita  diuerfida 
dê  de animacs;&  1  i  hes  muy  feros  &  vene 
nofos:  pois  cá  encre  nòs,com  fer  a  terra  ja  iam  cukiuada 
&  pofluida  detantagenté^aindafe  criam  em  brenhas 
cobras  muy  grandes  de  que  íè  contam  cúiáâP  muy  no- 
taueis ,  &  outros  bichos  Ãcanimaes  muy  danofos , efpat 
zidos  por  charnecas  &matos3aque  oshoméscom  le- 
rem, tan tos  &  matarem ícnipre  nellcs,  nam  podem  aca 
bar  de  dar  fim  como  (abemos;  Quanto  maisnefta  pro 
uixicia,  onde  os  climas  &  qualidades  dosares  terreftes, 
namfam  menos  diípoflos  pêra  osgerarern,doqa  terra 
em  fi;  pelos  muitos  matos  que  digo,âccomodâda  pêra 
os  criar .  Porem  de  quanta  immundícia  &  variedade  de 
animais  por  ella  eípaihou  a  natureza,  nam  auiá  la  ne- 
nhus  domefticos,  quando  começaram  os  Portugue- 
ícg  de  a  pouoar .  Mas  depois  que  aterra  foydrllesco 
nhecida  ,  &  vierama  entender  o proueito  da  criaçatn 
que  nefta  parte  podiam  alcançar  ,  começáiamlhe  a 
leuar  da  ilha  do  Cabo  verde  cauallos  &  cgoas.,de 
que  agora  ha  ja  grande  criaçam  em.  todas  as  capi- 
tanias deíía  prouincia  .  Eaísí  ha  também  grande cop?a 

G  4        de  gado 


wny.*jfaiiwif.TUiv«afM*f«jM*af^ 


iAfMÍ'^Ãf.'XÃ^lBía'Ba'I4M'KMft^VBiPBSt, 


{^EgifigiBaiii3i^aiBaitaii^igaiggit^ifa)i8aiEai^3^B«! 


HISTORTA  DA  PROVÍNCIA 
dc  gado  q  da  mesma  ilhafoy  leuado  a  eftas  partes,prin- 
cipalmente  do  vacum  ha  muita  abundância:  oquaipe 
los  paftos  ferem  muitos, vay  fempreem  grade  crecimé- 
to.Os  outros  animaesque  na  terra  fe acharam ,  todos 
fam  brauos  de  natureza,  &  algíis  eftranhos  nunqua  vi- 
dos cm  outras  partes.dos  quaes  darey  aqui  logo  noticia 
começando  primeiraméte  por  aquellesque  na  terra  íè 
comem,  de  cuja  carne  os  moradores  fam  muy  abada- 
dos em  todas  as  capitanias. 

f  Ha  muitos  veados,&  muita  foma  dc  porcos  de  diucr- 
fascaftas ,  conuemafaber,  ha  montefes  como  os  defta 
terra  tic  outros  mais  pequenos  que  tem  oembigo  nas 
coftas,deqfc  mata  na  terra  grande  quantidade  *  E  ou- 
tros q  comem  &  criam  em  terra,&  andam  debaixo  da- 
goao  tempo  quequeremraos  quaes,  como  corram  pou 
coporcaufade  terem  os  pés  compridos,  &  as  mãos  cur 
tas,  prouco  a  natureza  de  maneira,  que  podeflem  con 
feruar  a  vida  debaixo  da  mesmaagoa, aonde  logo  feia 
çamdemergulho,tantoqvemgente,ou  qualqucrou 
tra  coufa  de  que  íè  temam .  E  aísi  ácarne  deftes  como  a 
dos  outros,he  muito  fabrofa  &  tam  fadia  que  fe  man- 
da dar  aos  infermos ,  porque  pêra  qualquer  doença  hc 
|  proueitofa  &  nam  faz  mal  a  nenhúa  peííba. 

y  Também  ha  hús  animaes  na  tcrra,aq  chamam  Antas 
que  fam  da  feiçam  dc  m  ulas,  mas  na  m  tam  grandes,  & 
tem  o  focinho  mais  delgado  &hu  beiço  cõprido  á  ma- 
neira de  tróba .  As  orelhas  fam  redondas  &  o  rabo  nam 


muita 


1 


i»vJ^».>.*«»»,»Mtvtt.i.M»w>.a»aMi.^^ui..atui«UM..^.0..^..J.....,.u..u«»iJ| 


BVifiV.VSTTB*' 


fT.VTTATrJVTT.>TT<>7T.Vyr.-.TTATT/.TT.\TT.'.7rW,TCT.TT.!jy' 


3? 


SANCTA    CRVZ. 

muito  comptido:3dàm  cinzentas  pelo  corpo,  Scbracas 
pela  barriga .  E  ítas  Antas  nam  faem  a  pafcer  fenam  de- 
noite,&  tanto  q  amanhece ,  metemfe  em  algus  brejos* 
ou  na  parte  mais  fecreta  que  acham,&  ali  eftam  o  dia  to 
do ,  eícondidas  como  aues  noturnas  a  que  a  luz  do  dia 
he  odioía,ate  que  anoitecendo,  tornam  outra  vez  aíàir 
&  apafcer  por  onde  querem  como  he  feu  coftume .  A 
carne  deftesanimaes,  teofaborcomode  vaca, da  qual 
parece  que  fenam  differença  coufaalgua. 
%  Outros  animaes  ha  a  que  charnão  Cotias,  que  íàm  do 
tamanho  de  lebrcs:&  quafi  tem  a  mesma  femelháça ,  Sc 
fabor .  Eftas  Cotias  fam  ruiuas,  &  tem  as  orelhas  peque 
nas,&  o  rabo  tam  curto  que  quafi  fe  nám  enxerga. 
5  Ha  também  outros  mayores,  a  que  chamam  Pacas,  q 
tem  o  focinho  redondo,&  quafi  da  feiçam  de  gato,&  o 
rabo  como  o  da  Cotia .  Sam  pardas  &  malhadas  de  piti 
tas  brancas  por  todo  corpo.  Quando  querem  guiíallas 
pêra  comer,pelamnas  como  lei tam,&  nam  nasesfolão, 
porque  tem  hum  coiro  muy  tenro  &  fabro(b,&  a  carne 
tambéhe  muito  goftofa,&das  melhores  q  ha  na  terra. 
^  Outros  ha  também  neftas  partes  muito  pêra  notar,& 
ma;s  fora  da  com  um  femelhança  dos  outros  animaes(a 
meu  juizo)q  quantos ategorafe  té  vifto .  Chamãolhcs 
Tatiís,&  fam  quafi  tamanhos  como  leitões :  tem  hum 
calco  como  de  cágado,o  qual  he  repartido  em  muitas  ju 
tas  como  laminas  &  proporcionado  de  maneira,  q  pare 
ce  tocalméte  hu  cauailç  armado.Tem  hú  rabo  cõpripo 

sod© 


IA  AMA  AfAàAViA  AYÀ  AVU  1','ilvi  I&l  1*1  IHil  /r.l'f«ai»>l'l..l  Mi.\  't!?í 


ivan&Ksxii&i^iw^t^Wii&Maii&tWtWÊ^ifiinBm 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 
eodo  cubertodo  mesmo  cafco:  o  focinho  hc  com  o  de 
Ieitao,asndaque  mais  delgado  algum  tanto,  &  nam  bo- 
.ta  mais  fora  do  cafco  que  a  cabeça.  Tem  as  pernas  bai- 
xas^ criam  fe  em  copas  como  coelhos.  A  carne  deites 
animaeshea  melhor  &  a  maiseftimadaq  hanefta  ter- 
ra,^ tem  o  íãbor.quafí  como  de  galinha. 
4  Ha  também  coelhos  como  os  de  cada  nofià  patria,de 
cujo  parecer  nam  differcmcoufaalgúa.. 
f  Finalmente  que  defta  &  de  toda  a  mais  caça  de  que  3 
cima  tracey,  participam  (como  digo  j  rodos  os  morado 
res,&matafe  muita  dellaá  eufta  de  pouco  trabalho  em 
toda  a  parte  que  querem:  porque  nam  ha  la  impedimé 
to  de  coutadas  como  neíies  Reinos,  &húfò  índio,  ba- 
fia  (Te  hç  bom  caçador)  a  fu  (tentar  húa  caía  de  carne  do 
mato:  ao  qual  nam  cfcapahum  dia  porouEro,quenam 
mate  porco  ou  vçado,ou  qualqueroutroanimal  deites 
dequefízmeneam, 

f  Outros  animaes  ha  nefta  prauincia  muy  fcros,&  per* 
judiciaes  a  toda  efta  caça,&  ao  gado  dos  moradores:  aos 
qúaeschamãoTígreSjaindaque  na  terra  a  mais  da  gen 
teosnomeaporOnças:masalgúaspeflbasqos  conhe- 
cem &  os  viram  em  ou  eras  partes,  a  ffirmáo  q  fam  Ti- 
gres .  Eíksanimaes  parecéfe  naturalmétecom  gatos  ,3c 
nam  differem  dcllesem  outra coufa.-faluo  na  grandeza 
do  corpo,  porque  algús  fam  ramanhoscomo  bezerros, 
&  outros  mais  pequenos .  Temo  cabello  diuidido  em 
Varias  &  difthuas  cores,  conuéafaber,  em  pintas  braças, 

pardas, 


i  1V«  l»T»UIIM1«K<lf.»MIH« 


>ft.«Ar.^v4A.1i«.v4*v«v.'iMUv.av..ti 


............... ..........  1 1^1 


rTATTATTP.TJWTOX.^ir^ 


S  A  NCT  A     C1VZ.  »    % 

pardas,&  pretas.  Como  fe  acham  famintos,  entram  nos 
curraes  dogado,&  ma  tão  muitas  vitellas  &  nouilhos  q 
vão  comer  ao  mato  ,  Sco  mesmo  fazem  a  todo  animal 
q  podem  alcançar .  E  pelo  confeguinte  quando  íe  vem 
perfeguidosdafome,també  cometem  aos  homés:&ne 
fta parte  famtam  oufados,quejaaconteceotreparíehu 
índio  a  hua  aruore  por  fe  liurar  de  hú  deftes  animaes ,  q 
o  hiafeguindo,  &pôrfe  o  mesmo  Tigre  ao  pé  da  aruo- 
re, nam  bailando  a  eípantalo  algua  géte  que  acudio  da 
pouoaçam  aos  gritos  do  índio,  antes  a  todos  os  medos, 
íe  deixou  eftar  muito  feguro  guardando  faâ  prefa,ateq 
fendo  noite  fe  tornaram  outra  vez,fcmouíarem  de  lhe 
fazer  nenhúaoffenfa, dizendo  ao  índio  quefe  deixafTe 
eftar,queellefeenfadariadeoefpcrar.  E  quãdoveope 
la  manhaa(  ou  porque  o  índio  fe  quis  decer  parecendo- 
lhe que  o  Tigre  era  ja  ido,  ou  por  acertar  de  cair  per  alga 
delàftre,ou  peia  via  qfoííe)  nam  fe  achou  ahi  mais  del- 
le  que  os  oíTos .  Porem  pelo  contrario,  quando  eftão  far 
tos,  fammiiycobardes,&tampuííÍanimes,q  qualquer 
cão  que  remete  a  elles^aftaafazelíos  fugin&alguas  ve 
zes  acoíTados  do  medo,  fe  trepam  a  hua  aruore ,  &  ali  íe 
deixão  matarás  frechadas  fem  nenhua  refiftécia .  Enfim 
queafarturafuperfiua,namfomenceapaga  aprudecia, 
afortalezadoanimo,&a  viueza  do  ingenhoao  home: 
mas  ainda  aos  brutos  animaes  inabilita  &  faz  incapa- 
zes de  vfarem  de  luas  forças  naturaes,pofto  q  tenham 
iiecefsidade  de  as  exercitáre  pêra  defeaíam  de  fua  vida. 

|  Outro 


tff*f«T*>«fcyi 


JSSXirSXiUAK.UAfSXL.lMMIMKJUK^XMgi 


HISTORIADA  PROVÍNCIA 
f  Outro  género  de  animaes  ha  na  terra,a  q  chamSo  Ce  j 
rigoês,q  Iam  pardos  &  quafi  tamanhos  como  rapofas: 
osquaes  té  hua  abertura  na  barriga  ao  coprido  de  ma- 
neira q  de  cada  banda  lhes  fica  hu  bo!fo,onde  trazem  os 
filhos  metidos .  E  cada  filho  tem  fua  teca  pegada  na  bo 
^daquala  nam  tiram  nunquaateq  fe  acabam  decíi- 
ar.  Deftes  animaes  feaffirmaq  nam  concebem  né ge- 
ram os  filhos  dentro  da  barriga  fenam  em  aquellcs  boi 

fos^orquchunquadequantosíeromáramrçachouai 
gum  prenhe ,  Ealem  difto  ha  outras  conjecturas  muy 
prouaucis?por  onde  fe  tem  por  impofsiuel  parirê  os  taes 
filhos,  como  todos  os  outros  animaes(  fegundo  ordem 
de  natureza)  parem  ps  feus, 

1  Hú  certo  animal  fe  acha  também  neflas  partes, a  que 
çhamão  Perguiçafq  he  pouco  mais,  ou  meno$  do  tam* 
íiho  deftesjo  qual  cem  hu  rofto  feo,&  huas  vnhas  mui- 
to compridas  quafi  como  dedos ,  Tem  hua  gadelha  gr  5 
de  no  toutiço  q  lhe  cobre  o  pcfcoço ,  &  anda  fempre  c6 
a  barriga  lançada  pelo  chá/emnunqua  le  leuanrarépé 
como  os  outros  animaes :  &  afsi  fe  moue  có  palíos  cam 
\agaroíos?que  ainda  que  ande  quinze  dias  acurado,náo 
Vencerá  diílançia  dehu  tiro  de  pedra ,  Ofeu  nuti  men- 
to, he  folhas  de  amores  &  encima  delias  anda  o  mais  do 
teporaonde  pelo  menos  ha  mifterdousdias  perafobir, 
í$ç  dous  pa  deçen  E  pcílo  q  o  mace  có  pãcadas,né  q  o  píi 
ga  r  u  crus  animaes,  ná  fe  menea  hua  hora  mais  q  outra, 
%  Outro  geneio  de  animais  ha  na  terra  a  que  chamam 

Tamendpás, 


'■—»■•-»»■—'  -.-■«■.-  ^---j»»™  -^-^  >i----»  «i>»  mrtf*m.vmmft,-A:  m..rm».-i.Tmà 


xsnssnwnsrTarTssrcsrr 


iSANCTA     CRVZ.  n 

Tamedoás,q  feram  tamanhos  como  carncirós.-osquaes 
fam  pardos,&  tem  hum  focinho  muito  cóprido  &  dei* 
gado  pêra  baixo:  a  boca  nam  tem  rasgada  como  ados 
outros  animaes ,  &  he  tam  pequena,  que  efcaflamentc 
caberam  por  elladous  dedos.  Tem  húalingua  muita 
direita  &  quafi  de  três  palmos  em  comprido".  As  fême- 
as tem  duas  tetas  no  peito  como  de  molher,&  o  vbre  la 
çado  em  cima  do  pefcoço  entre  as  pás,  donde  lhes  decé 
o  leite  às  mesmas  tetas  com  que  criamos  filhos.  Eafsi 
tem  mais  cada  húdelles  duas  vnhasém  cada  mão  tam 
compi  idas  como  grandes  dedos, largas  á  maneira  dé  ef- 
còuparo. Também  pelo  confeguinte  tem  hu  rabo muy 
cheo  de  ledas  Sc  quafi  cam  compridas  como  as  de  hum 
cauallo  Todos clles extremos  que  fe acham  neftes  aní 
mães,  fàm  necdlarios  pêra  cõfcruaçam  de  fuá  vida :  por 
que  nam  comem  outra  couía  fenam  formigas .  E  como 
iftoafsifeja3vãofe  comaqllasvnhas  aarranhar  nos  for 
migueiros  onde  as  ha:  &,tanto  queas  tem  agrauadas,lá 
çam  a  linguafora,&  poemnaali  naqlla  parte  ondearfy 
nháram,  a  qual  como  fe  enche  delias,  recolhem  pêra  dé 
tro  da  boca,  &  tantas  vezes  fazem  ifto,ate  que  fe  acabão 
de  fartar  .E  quado  fe  querem  agafalhar,  ou  efeonder  de 
algíia  coud,leuan  tam  aquelle  rabo,  &  lançam  no  por  ci 
ma  de  Ci ,  debaixo  de  cujas  fedas  ficam  todos  cubertos 
fem  fe  enxergar dellcs  coufaalgua. 
^  Bogios  ha  na  terra  muitos  &  de  muitas  cartas  como  ja 
fe  fabe  ;  5c  por  ferem  tam  conhecidos  em  toda  aparte, 

não 


M 


tinare«WAAyAj«ajmAWA».aA^^^ 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 

Ssmjpíirticularizarcyciqui  fuás  propriedades  tanto  por 
extenfo.  Somente  tratarey  em  breues  palauras  algua 
coufàdcftesde  que  particularmente  entre  os  outros  fc 
pode  fazer  mençam. 

f  Hahusruyuosnãomuirograndesquc  derramam  de 
'fihu  cheiro  muyfuauc  a  toda  peíToa  que  a  ellesfe  che- 
ga^ íè  os  tratam  com  as  mãos,  ou  fc  acertam  de  fuarfi 
cão  muito  mais  odoríferos  &  alcança  o  cheiro  a  todos 
os  circundantes.  Defles  ha  muy  poucos  na  terra,&nao 
fe  acham  fenam  pelo  íèrtam  dentro  muito  longe, 
f  Outros  ha  pretos  mayores  que  eftes ,  que  tem  barba 
como  homem;  os  quaesfam  tam  atrcuidos^que  mui- 
tas vezes acótece frecharem  os  Indiosalgus,  &  dles  tira 
rem  as  frechas  do  corpo  com  fuás  próprias  maos,&  tor- 
narem aarremeíTallas  a  que  lhes aciror .  Eftes  fam  muy 
brauos  de  fua  natureza  &  mais  efquiuos  de  todos  quan 
toshaneftas  partes, 

f  Ha  também  hus  pequeninos  pela  cofta  de  duas  cartas 
pouco  mayoresquedoninhas,a  que  comumente  cha- 
mam Sagoís,conuem  aíabe^hahúsjouros^outros 
pardos .  Qs loures  tem  hum  cabello  muito  fino  >  &  na 
lemelhança  do  vuko  &  feiçam  do  corpo  quafi  fe  quere 
parecer  cem  lião.-fam  muito fermcfcs^&nam  oshafe 
mm  no  rio  de  íaneiro .  Os  pardos  fe  acham  dahi  pêra  o 
Norte  em  todas  as  mais  capitanias .  Também  fam  mui 
toapraziueis;masnamtam  alegres  ávirta  como  eftes. 
E  alsi  hus  como  outros,  fam  tam  mimofos&  delicados 
de  fua  natureza,  que  como  os  tiram  da  pátria  &  os  em- 


.  1V1  Í.-.-J»  *.-.T*  lVAt'.'AAl'iiUli 


S  ANCT  A    C  RVZ.  *4 

barcam  perã  eíte  Reino,  tanto  que  chegao  a  outros  ares 
mais  ftios  quaíi  todos  morrem  no  mar,&  nam  efcapa íc 
nam  algum  de  grande  marauilha. 
tf  Hatíbem  pelo  matodentro cobras muygrãdes,& de 
muitas  caftas,a  q  os  índios  dam  diuerfos  nomes  confor 
me  a  fuás  propriedades.  Húas  ha  na  terra  tão  disformes . 
de  grades,^  engole  hu  veado ,  ou qualqr  outro  animal 
iemelhãte,todo  inteiro.  E  iílo  m m  he  muito  pêra  efpã- 
tar,pois  vemos  q  nefta  noíía  pátria  ha  oje  em  dia  cobras 
bé  pequenas  q  engolem  hua  lcbic  ou  coelho  da  mesma 
imaeira ,tédo  hu  colo  q  á  vifta  parece  pouco  mais  grof- 
foqhúdcdor&quandové  a  engolir  cites  animaes,  alar 
gafe,  3c  dá  de  íidemaneira^q  paílampordlc  inteiros,5c 
afsi  os  eftam  foruedoate  os  acabaré  de  meter  no  bucho, 
como  entre  nós  he  notório  .Quáto  maiseftoutras  decj 
trato,q  por  razão  defuagrmdeza  fica  parecendo  a  que 
nas  viomenosdifficultofo,engolité  qualquer  animai 
da  terra  por  grande  que  feja 

^Outras  ha  dou  tra  eafta  difFerétc,n£o  tam  grades  como 
eftas:mas  mais  venenofas.-as  quaes  tem  na  póta  do  rabo 
hua  coufa  q  íòa  quafi  como  cafcauel5&  por  onde  quero 
vão fempre andam  rogindo,& os q as  ouué  tem  cui Ja- 
do de  feguardaré  delias.  Alem  deftas  ha  outras  muitas 
na  terra  doutras  cartas  diuerías(q  aqui  nam  refiro  por 
efcufarprolixidade)as  quaes  pela  mayor  parte  fam  ta?n 
nociuas  &  peçonhétas(efpecialmête  huas  a  q  chama  Ge 
rarácasjq  fe  acerta  de  morder  alguapeífoa  demaràui 
lha  eícapa,  3c  o  mais  q  dura  íàm  vinte  &  quatro  horas> 


mi&m.WitssiwimrEXiWEaiTaiitBn 


I 


.  -  HISTORIA  DA  TROVINCIA 
f  Também  ha  lagartos  m uy  grades  pelas  lagoas  8c  rios 
deagoa  doce,  cujos  tefticuloscheiráo  mclhorque  almis 
quere:&a  qualquer  roupaque  os  chegam,  fica  o  cheiro 
pegado  por  muitos  dias, 

f  Outros  muitos animaes  &  bichos  venenofos ha  nefla 
prouinçia  de  querjam  trato, osquaesfam  tantos  em  tã 
ta  abundância,  que  feria  hiftoria  muy  cóprida  nomca- 
lpsaquitodos,&;  tratar  particularmente  da  natureza  de 
cada  hum,auendo(  como  digo)  infinidade  delles  ne- 
íraspartesraondepeladispoficam  daterra&dos  climas 
que  a  fenhoream ,  nam  pode  deixar  de  osauer. Porque 
como  os  ventos  que  procedem  da  mesma  terra,  fe  tor- 
nem inficionados  das  podridões  das  heruas,mato$&a- 
lagadiços.geranfecom  ainfluencia  do  Sol  que  niftocõ 
corre  muitos  ôcmuypeçonhentos,  quepertoda  a  cerra 
eftáefparzidosr&a  eftacau  fale  criam  &  acham  nas  par- 
tes maritimas,&  pelo  fertam  dentro  infinitos  da  manei 
ra  que  digo. 

f  Capitulo  7.  Das  aues  que  h4 
nata  prouinçia. 

Ntre  todas  as  coufas  deque  na  prefente  hí 
ftoria  fe  pôde  fazer  mençam,  a  que  mais  a 
praziuel  &fermofa  fe  offereçe  a  vifta hu- 
mana, he  a  grande  variedade  das  finas  &  a 
legres  cores  das  muitas  aues  qnefta  prouinçia  íe  crião 

as  quaes 


ttUfrmmLiM.  -»~-  -.i-—  mn.Tm  m.^-~  m*-*m.  -y  ■• 


t^>-^»ft-*fc-.T«<a»«oKaaMaM^^ftTafc^Mmft^^^jk'wa^aMm».M>fk-AMi'A*a-ji»M«ifti»*it'u,«»iaiiwiJi 


SANCTA     CRVZ.  i| 

ás  quães  por  ferem  tam  diucríãs  cm  tanta  quantidade/ 
mm  tratareyfcnam  fomente daquellas de  que  fe pode 
nocaralguacouía^&q  na  terra  fam  mais  cílimadas  dos 
Portugucfes  &lndiosquehabitam  cftas  partes. 
^Haneftaprouíncíamuicasaucs  de  rapina  muyfermo! 
ias  Sc  de  varias  caftas,  conuemafaber,  AguiaSjAçorcs^ 
Gauiães,&  outras  doutros  géneros  diucrfos  5c  cores  dif 
£crentcs,quc  também  tem  a  mesma  propriedade  •  As 
Àgu  ias  í  am  muy  grades  ôc  forço  ih:  &  aísi  remetem  co 
tanta  fúria  a  qualquer  aue^ou  anima!  que  querem  pre- 
ar,que  âs  vezes  acontece  neftas  partes  virem  alguas  tatu 
defatinadasfeguindoápreía,  que  marram  nas  caías  dos 
moradores^  ali  caem  a  víftadagétcíêmmais  fepode 
ftm  leuantar.  ©s  índios  da  terra  as  coftumao  tomar 
cmíeusninhosquando  fam  pequenas  96c  criãnas  cm 
húasçorças,pera  depois  de  grandes  fcaprouci  tarem  dai 
pe nnas  em  íuas  galátarias  acoft umadas.  Os  Açores  fam 
çomoos  de  ca,  ainda  que  ha  hum  certo  género  dellesq 
tem  os  pês  todos  vellofos,&  tam  cubertos  de  pena  que 
efcaífamente  fe  lhes  enxergam  as  vnhas.  Eftes  fam  mui 
to  ligeiros  «Sc  de  marauilha  lhe  efçapa  aue  ,ou  qualquer 
outra  cacaa  q  remerarn.Os  Gauiáes  também  lâm  mui 
deítros  &  forçolos;  efpecialmente  hus  pequenos  como 
cfmerilhóesem  lua  quantidade  ofam  tanto^ue  reme 
tem  a  húa  perdizóc  a  íeuam  nas  vnhas  pêra  onde  querc. 
E  juntamente  fam  tam  atreuidos,que  muitas  vezesa-, 
????^^firH?f5 aqualqucr auc  ôcapanhala  danerca 
k  O         gente 


J§i  HISTORIA  DA  PROVINCtS 

gente  (em  fe  quererem  retirar  nem  Urgala  por  muito  q 
oáefpantem.  As  outras  aues  que  na  terra  fe  comem,& 
de  que  os  moradores  fe  aproueitam  iam  as  feguintes. 

5  Ha  hum  certo  género  delias,  a  quechamão  Macuca- 
goâs,  que  íâm  pretas  &  mayores  que  galinhas :  asquacs 
tem  tresordésdetitelas,íam  muy  gordas  &  tenras  ,& 
áfsi  os  moradores  as  tem  em  muita  eftima:porque  fani 
cilas  muito  íabroías  &  mais  que  outras  alguas  que  en- 
tre nôsfe  comam. 

^Também  ha  outras  quaíí  tamanhas  como  cftas,a  que 
çhamão  Iaciís,&  nós  lhe  chamamos  galinhas  do  mato. 
Satp  pardas  &  pretas^  tem  hum  circulo  branco  na  ca- 
beça &  o  peícoço  vermelho  ,Matanfena  terra  muitas 
dellas,&  pelo confeguinte  iam  muy  fabrofas  &  das  me 
lhore$  que  ha  no  mato.  Ha  també  na  terra  muitas  per- 
dÍ£es.,poíBba$,&  rolas  como  as  defte  Reino ,  &  muitos 
patos  âcadés  braoas  pelaslagoas&  rios  deita  cofta:&oi* 
trás  muitas  aues  de  ditferentes  caftas,  que  nam  fàm  me 
rk>P;&broías  &fadias3queas  melhores  que  câentre  nos 
ff  cornem,  Sck  temem  mais  efíima. 
f  Papagayos  ha  nelas  partes  m  tiitos  ác  diueríâs  caíías, 

6  muy  fei  mofoSjComo  câíe  vem  algírs  por  experiécia. 
Os  melhore&de  todos,&  q  rnais  ura  mente  feaehão  na 
terraifamhusgràEdes^mayoresqaçoies^aqcha 
Anapurús .  Eftes  papagayos  fam  vadados  de  muitas a> 
rcs,&criaiiíè  muito  longe  pelofertam  dentFo:&depa 
Is  q  qs  tomao  vem  afow  domeftieos  q  poem  onos  c 

cala, 


:         SANCTÀ    CRVZ.  í'ê 

Êâía  &âccomôdaníc  maisâconucrfaçam  da  gete  q  ou 
tra  qualquer  aue  que  aja,  por  maisdomcítica&  maníà 
cjucleja.EporiíTbfam  eidos  na  terra  cm  tanta  eftima,q 
Vai  cada  hum  entre  os  índios  dou$tresefcrauos:&  aíst 
es  Portuguefes  que  os  alcançam  os  tem  na  mesma  cfti 
fna:  porquefam  cllesalem  diííò  miifto  bcllos,&  veíli- 
dos  como  digo  de  cores  mui  alegres  &  tam  finas,q  exec 
dem  na  fermoíura  a  todas  quatas  aues  ha  neftas  partes. 
Ha  outros  quaíí  do  tamanho  deftes  a  que  chamao  Ca- 
nindêsque  iam  todos  azues: íâluo  nas  alas  que  tem  ai-* 
guas  pennasamarellas.  Também  iam  muito  fermoíòs 
Sc  cftimadoscm  grande  preço  detodapefroàqueosai 
cança  /Também  iê  acham  outros  do  mesmo  tamanho 

peio  fertam  dentro^a  que  chamao  Araras,  os  quaesíàtn 
vermelhos ,  íemeados  de  alguas  penhas  amarellas ,  6c 
tem  as  aias  azuis  &  hum  rabo  muito  comprido  &fer- 
moíb.Os  outros  mais  pequenos ,  que  mais  façilmen-» 
te  faliam  &  melhor  de  todos/am  aquelles  a  que  na  ter- 
ra cqmmunmente  chamam  papagayos  verdadeiros. 
Os  quae$  trazem  os  íiidios  do  íérram  a  vender  aos  Por- 
tugueíes  a  troco  de  rclgates .  Eftes  fam  pouco  mais," 
ou  menos  do  tamanho  de  pombas,  verdes  claros ,  Ôc 
tem  a  cabeça  quafi  toda  amarelia  ,  &  os  encontros 
das  alas  vermelhos .  Outro  género  delles  ha  pela  co- 
fia entre  os  Portugueíès  do  tamanho  deftes ,  a  que 
chamam  Concas  :  õs  quaes  fam  veftidos  de  hua 
penna  verde  tfçura  ,  W  tetp  a  cabeça  azul  de  cor 

D  %  deros» 


i*fi'*^Y^a.v*mr.-AJwaaM*iKaMM»Av^^y, 


kjBSMÊmif^âiíZK&í&xi&vusKV^EmtimmíiE&im 


«r  HISTORIA   DA. PROVÍNCIA 

ác  rofmaninho.  Deftes  papagaios  ha  na  terra  multa  ijti 
tidade  do  qcâentre  nos  ha  degralhas,ou  deftorninhòs 
Scnarníarn  tamcílimadoscomo  os  outros, porá  ga* 
zeãomuito,&:alemdiírofaIamdiííicultofamente&i 
eufta  de  muita  induftria.  Mas  quando  vem  a  falar,paf- 
íàm  pelos  outros  &fazemlhes  nefta  parte  muita  venta 
gem.E  por  iiTo  os  índios  da  terra  coftumáo  depenar  ai 
gús  cm  quanto  iam  nouos,&  tingilos  com  o  fangue  de 
híías  certas raás,com  outras  mifturas  que  lhe  ajuntamt 
&  depois  que  fe  tornam  a  cobrir  de  pena  ficam  nç  mais 
nem  menos  da  cor  dos  verdadeiros:&  aísr  acõtece  mui* 
tas  vezes  enganarê  com  clles  a  algúas  peííòas  vendendo 
Jfios  por taes. Ha  também  huspequeninosquevem  do 
fertão,  pouco  mayores  que  pardaes^a  que  chamáo  Tu- 
yns:aos  quaes  veftioa  natureza  de  híia  pena  verde  mui 
to  fina  fem  outra  nenhua  mefiura,&  tê  o  bico  &  as  per 
nas  brancas^Sc  hum  rabo  muito  comprido .  Eftes  tam- 
bém falam  &  fam  muito fermoíbs  &apraziueíse  eftre 
mo. Outros  ha  pela  coita  tamanhos  como  melros,  a  q 
chamao  Marca náos:  os  quaes  tem  a  cabeça  grade  &  hu 
bico  mui  to  grofto:tambem  iam  verdes  &  failáo  como» 
cada  hum  dos  o  u  tros* 

f  Al^uasauesnotaueis  ha  também  neííaspartcs  afora 
cftas que  tenho  refuido,deque  tãbem  farey  menção,, 
6c  em  efpecial  tratarey  logo  de  huas  marítimas  a  qcha- 
mão  Goarásrasquaes  feram  pouco  maisou  menos  da 
tamanhodegayuotas.Aprimara  penadeq  anature- 


lft<âM4A.4*.V44VJV.'l  M.V*  M 


SA  NCTA    CRVZ,  %7 

za  as  veftc,  hc  branca  fem  nenhua  miftura ,  &  muy  fina 
cm  extremo.  E  por  espaço  de  dousannos  pouco  mais 
ou  menos  a  mudão,&  tornalhes  a  nacer  outra  parda  tl- 
bé  muito  fina  Tem  outra  nenhua  miftura .  E  pelo  mes- 
mo tempo  a  diãte  a  tornam  a  mudar,  &  ficam  vertidas 
de  hua  muito  preta  diftinta  de  toda  outra  cor*  Depois 
dahi  a  certo  tempo  pelo  confeguinte  a  mudam,  &tor- 
naníe  a  cobrir  doutra  muy  vermelha,  &  tanto, como  o 
mais  fino  &  puro  eram efim  que  no  mundo  fe  pode  ven 
&  nefta  acabam  feus  dias. 

fHuas  certas  aues  íe  acham  també  na  capitania  de  Pa- 
ranambuco  pela  terra  dentro  mayorcs  duas  vezes  q  ga- 
los do  Perii :  as  quaes  iam  pardas,  &  tem  na  cabeça  a  ci- 
ma do  bico,  hum  esporam  muito  agudo  como  corno^ 
variado  de  branco  &  pardo  escuro,quafi  docomprime- 
to  de  hum  paímo,&  três  femelhantes  a  efte  em  cada  a- 
fa,  algum  tanto  mais  pequenos, conuemafaber,hus  nos 
encontros,  outros  nas  juntas  do  meyo,outros  nas  pon- 
tas das  mesmas  aias .  Eftas  aues  tem  o  bico  como  de  A- 
guia,&os  pés  groíTos  &  muito  compridos.  Nosgiolhos 
tem  hus  calios  tamanhos  como  grandes  punhos.  Quan 
do  pelejam  com  outrasauesviranfedecoftas,&afsi  ièa 
judam  de  todas  eftas  armas  que  a  natureza  lhes  deu  pê- 
ra íua  defeníàm. 

^  Outras  aues  ha  também  neftas  partes  cujo  nome  a  to 
doscáhe  notório:  as  quaes  ainda  que  tenham  mais  offi 
cio  de  animaes  terreftes ,  que  de  aues  pela  razam  que 

D    3  logo 


iAViAV^MUA^XVlX^l/^Ilil.llvafttlIC»!^^1] 


'^atgT^^^l^V^T^t^TATTATTy^r/ITy.TT.qT/.TT 


1 


HISTORIADA  PROVÍNCIA 
logo  direy,  tòdauia  por -fere  realmente  aues  de  que  fe  po 
de  efcreuer,&  terem  a  mesma  íenielhança,  nam  deixa- 
reydefazer  mençam  delias  como  de  cada  hu^das ou- 
tras. Chamanfe  Héniasyasquaes  teram  tanta  carne  co- 
mo hu  grande carneiro3&  tem  as  pernas  tam  grandesq 
fam  quafi  ate  os  encõtros  das  aias  da  altura  de  hú  home, 
O  pescoço  he  muy  comprido  em  extrcmo,&  tem  a  ca- 
beça nem  mais  ne  menos  como  de  pata:  íàm  pardas,brã 
cas,&  pretas^  variadas  peio  corpo  de  huas  pen-nas  mui 
fermoías  que  cá  entre  nós  coftumáo  feruir  nas  gorras  & 
chapeos de  peflbas galantes  &queprofefíam  a  arte  mi 
litar .  Eftâs  aues  paícem  heruas  como  qualquer  outro  a 
nimal  do  campo,&  nunqua  fe  leuantam  da  terra ,  nem 
voão  como  as  ou  trás,  fomente  abrem  asaías&co  cilas 
vão  ferindo  oarao  longo  da  mesma  terrar&afsi  nfiqua 
andam  fenam  em  campinas  onde  fe  achem  dtfcmpedi 
das  de  matos  &aruoredos>  pêra  juntamente  poderem 
correr  &  voar  da  maneira  que  digo. 
^  Dou  trás  infinitas  aues  que  ha  s  cilas  partes,  a  que  a  na 
turezaveílio  de  muitas  &  muy  finas  cores, pudera  tam 
bem  aaui  fazer  mençam:  mas  como  meu  intento  prin 
cipal,  nam  foy  na  prefente  hiftoria  fenam  fer  breue ,  & 
fugir  decoufasem  que  pudcíTeíèr  notado  de  proluxo 
dos  pouco  curiofos  (corno  ja  tenho  dito)quisfomen* 
te  particularizar  cftas  mais  notaueis  ,&  paliar  com  fi- 
lencio  por  todas  as  outras ,  de  que  fe  deue  fazer  menos 

cafo, 

f  CapúS. 


l».í».»»^*».i».-.U»V*V.l»VJ».Vil. 


TATT.vr.E.7T.%7T!VrT.>TTWyi?.TT.WT.'.TTWI? 


i* 


ttS 


SANCTA    CRVX 

f  Capitulo 8.Df  4^& /* /xw  notàueis^laUàs  & 
âmbar  que  ha  m/las  partes. 
f^)^WT]  ^  tani  grande  a  copia  do  fabrofo&ía- 
.^w^rí"'  h\  d'10  pescado  que  fè  inata,  afsi  no  mar  ai 
^H^i   |  to^comonosriosácbahiasdcftapuia 
cia  de  q  geralmente  es  moradores  fani 
participares  é  todas  as  capitanias,  q  efta 
16  fertilidade  bailara  a  íuftentaíos  abu 
dandísimamente  5  ainda  que  nam  ouuera  carnes  nem 
outro  género  de  caça  na  terra  de  que  íeprouéram  como 
atras  fica  declarado ...  E  deixando  a  paire  a  muita  varie- 
dade daqueilts  peixes  que  comumente  nam  diíFerera 
na  femelhançados  de  cá,tratarey  logo  em  efpceial  de  hu 
certo  género  áúMè  q  ha  neflas  partes,a  q  chamão  peixes 
bois:  os  qes  íàmiá  grades,  q  os  mayores  peiam  quore ta 
einquoêta arrobas.  Teo  focinho  comodeboy,&  dous 
cotos  cóq  nada  á  maneira  de  braços.  As  fêmeas  té  duas 
tetas  co  o  leite  das  qes  íè  crião  os  filhos,0  rabohe  largo 
rõbo&  nã  muito  cõprido.Na  té  feiçam  algúa  de  ncrJíu 
peixe  fomente  na  pelle  queríe  parecei  cõtuninha.Eíks 
peixes  pela  niayorpartc  feàchã  cm  algus  rios,óubahias 
delia  co  fta^rinci  pai  mente  onde  aigu  ribeiro,ou  regato 
fe  mete  naagqaialgada  iam  mais  cercosrpoiq  botam- o 
focinho  forâ,&  pacem  as  heruasquefe  criam  é  femelha 
tcs.  partes, &  çábem  comem  as  folhas  de  huasaruores  aq 
chamam  Mangues/de  que  ha  grande  quantidade  ao  lo 
godos  mesmos  rios.Os  /moradorb';daterra  os  mata  co  \ 
arpões,&  tábé  e  pesqueiras  coíluma  tomar  algus  \  porq 

D  4        vem 


M»T*»lág.aav.âa,ViiAVAi.'.^i^'M|tfaj 


ZAi!**JA*á*tÁA!^L*Al*\L*l  &.*<£<!!  i 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 
vem  com  a  enchente  da  maré  aos  taes  lugares,  &  com  a 
vazante  fe  tornam  a  ir  pêra  o  mar  donde  vieram .  Eftc 
peixe  he  muito  goftofo em  grande  maneira,&  totalmc 
te  parece  carne, afsi  na  femelhança  como  no  fabor:  & 
afladonam  tem  nenhuadifFerença  de  lombo  de  porco. 
Também  fe  coze  com  couues  &guiíaíè  como  carne,  & 
aísi  nam  hapeíToaque  o  coma,  que  o  julgue  por  peixe: 
íàluofe  o  conhecer  primeiro* 

f  Outros  peixes  ha,  a  que  chamáo  Camboropíns  ,que 
Iam  quaíi  tamanhos  como  Atuns ;  Eíles  tem  huas  esca; 
mas  muy  duras,&  mayores  que  os  outros  peixesrtambé 
íc  matam  com  arp5es,&  quando  querem  pescalos,poé 
le  cm  aígua  ponta  ou  pedra,ou  em  outro  qualquer  po- 
fto accomodado  a  efta  pescaria.  E  oquehebom pesca- 
dor(peraque  nam  faça  tiro  em  vão  )  quando  os  vé  vir 
deixa  os  primeiro  paífar,  &efpcraateque  fiquemageí 
to  que poflaarpoalospordetras de  maneira,  q  o  arpam 
entre  no  peixe  fem  as  eícamas  o  impedirem ,  porq  fam 
(como  digo)  tam  duras  q  íe  acerta  de  dar  nellas  de  ma- 
rauilhaaspode  penetrar . Eíle he hõdos  melhores  pei- 
xes que  ha  neíias partes,  porque  alcm-de  fer  muito go-f 
ftofo,  hetãbem  muito fadio,&maisenxuto de fuapro 
priedade  que  ou  tro  afgum  que  na  terra  fe  coma. 
^  Tambê  haoutra caftadelles a q  chamao  Tamoatis^q 
fâm  pouco  mais  ou  menos  do  tamanho  dcfardinhas,5c 
nam  fe  crião  fenam  é  agoa  doce.  Eftes  peixes  fam  todos 
cubertosde  huascochas^diftiacas naturalmente  coma 

laminas^ 


i »  »  *»  ^  •  m.  m.:  s,  % 


p.ia.Esy.BgTgiiBrissrag.fBr.TSf.T.sf.T.wwy.TCi.gg.iar.i 


JANCTA    CRVZ.  3^ 

laminas,co  as  quaes  andam  armados  da  maneira  dos 
Tatus  de  que  a  trás  fiz  rnençam,  &  iam  muito  fabrofos 
&  os  moradores  da  terra  os  tem  cm  muita  eftima. 
f  Ha  cambe  hu  cerco  género  de  peixes  pequeninos,  d& 
feiçam  de  xarrocos^a  q  chamão  Mayacús:  os  quaes  iam 
tnuy  peçonhécos  por  excremo,efpecialméce  a  pele  o  he 
tanco,  q  fe  hua  pefloa  goílar  hu  fó  bocado  dellajogo  na 
qlla  mesma  hora  dará  fim  a  íua  vidarporq  nam  ha,ne  fc 
fabenenhu  remédio  na  terra,q  porta  apagar  nem  detec 
poralgu  espaço  o  impitudefte  mortífero  veneno  -  Al- 
gíís  índios  da  cerra  fe  auen curam  a  comellos  depois  que 
lhe  tiram  a  pelle.,&  lhe  lança  fora  porbaixo  coda  aqlU 
parte  onde  dizé  q  tem  a  força  da  peçonha.  Mas  fem  em 
bargo  diíTo,  não  deixam  de  morrer  alguas  vezes .  Eftcs 
peixes  canco  q  faem  fora  da  agoa  hinchão  de  maneira^ 
parece  hua  bexiga  chea  de  véto;&  ale  de  teré  efta  quali- 
dade, íàm  tãmanfosqospodé  tomar  ás  mãos  íemne- 
nhu  t4balho:&  muitas  vezes  andao á  borda  dagoa  tam 
quietos,q  nam  os  verá  pefloa  qfe  nam  cõuide  acoma- 
los,&  ainda  a  cornelosfe  nãoceuer  conhecíméto  dclles* 
Oucros  peixes  nam  finconeftas  partes  deqpoíTafazera 
qui  particular  menção:  porq  em  todos  os  demais,  nam 
haf  como  digo)muicadifferença  dosdecá,&amayor 
parte  delles  iam  da  mesma  cafta:mas  muicò  mais  fabro 
fos,&  cam  fadios,q  nam  fe  vedão  né  fazé  malaosdoéces 
&  pêra  quaesqr  infermidades  fam  muito  feues:  &  de  ca 
dà  maneira  q  os  comão  nam  offendem  a  faude. 

5  Nam 


I 


i 


rAàIMWXârS*AtMAL*Af*XL*i<tm<Bn>lM>Mmi**>MíiWmiBMam 


B 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 
«f  Na  me  parecco  també  couíà  fora  de  propoíi  to,cratar  a 
qui  algua  coufa  das  Balcãs  &  do  âmbar  q  dizé  q  proce- 
de delias.  E  oq  acerca  difto  íey,q  ha  muitas  neftas  partes 
as  quaes  coftumã  vir  darribaçáo  a  efía  cofta,  ehíis  tépos 
mais  q  outros.q  fam  aquelles.etn  q  aísinaladamcce  íaç 
oambarqomardefilançaforac  diuerfas  partes  defta 
prouincia.  E  daqui  yca  m uitas  cere  pêra  íi  q  nam  hc  ou 
ira  çouía  efte  âmbar,  fenáo  cfterco  de  Baleas:&  afsi  lho 
chama  os  índios  da  cerra  pela  fua  lingua,  fem  lhefaberé 
daroutro nome, Outros queré  dizer,  q  hefem  nenhua 
faltaa  esperma  da  mesma  Balea:  mas  o  q  fe  te  por  cerco 
(deixado  eftas  &outras  erradas  opiniões  a  parte  jheq  na 
ce  efte  licor  no  fundo  do  mar,  ná  geralméte  é  todo:mas 
é  alguas  partes  delle,q  a  natureza  acha  dispoftas  pêra  o 
criar.  E  como  o  tal  licor  feja  mãjar  das  Baleas ,  afôrmafç 
q  come  caço dclle,ate  fe  embebedará, &  q  efte q  fae  nas 
prayas;he  ofobejo  q  cilas  arrebefíam.  E  fe  ifto  afsi  nam 
fora  dçfta  maneira^ elle  procedera  das  mesmas  Baleas 
por  qualqr  das  outras  vias  q  acima  fica  dito^de crer  he,q 
també  o  ouuera  da  mesma  maneira  é  qualqr  outra  co- 
fia deftes  Reinos ,  poise  coda  parte  domarfamgéraes. 
Quato  mais  q  nefta  prouincia  de  q  trato,fe  fez  ja  experiç 
cia  é  muitas  delias  q  fairam  a  cofta,&détrodas  tripas  de 
alguas,  acharam  muito  âmbar,  cuja  virtude  hiã  ja  dige- 
rindo, por aueralgú  espaço  q  o  tinhío comido.  E  nou- 
tras lhe  achará  no  bucho  outro  ainda  fresco  &  é  fua  pet 
feiçam,q  parece  q  o  acabaram  de  comer  naqlla  hora  an 
tes  q  morrefsê.Pois  o  efterco  naqllaparte  onde  a  naturc 

zaodc 


HMlMMMUmàtT.U  MJ  WJtTJ»  1M1  iimim  I 


SANCTA    CRVL  3© 

za  o  defpede,  na  té  nhua  femclh.áça  cie  âmbar,  né  fe  en- 
xerga nelie  fermenosdigeftoqo  dos  outros  animaes. 
Por  onde  fe  moílra  claro,q  a  primeira  opiniã  nã  fica  ver 
dadeira,né  a  fegúda  ta  pouco  opode  fenporq  a  esperma 
deftas  Baleasse  aquillo  aq  chama  balfo,de  q  ha  poreffe 
mar  grade  quãtidade,o  qual  dizem  q  aproueita  pêra  fc 
ridas  &  por  tal  he  conhecido  de  toda  a  pefíba  q  nauega. 
%  Efte  âmbar  todo  quado  logo  íàcyvé  íblto  como  fabã  6c 
qíi  fé  nenhucheiro:másdahi  a  poucos  dias  íè  endurece, 
&depois  diíTo  fica  ta  odoriferocomo  todos  fabemos. Ha 
todauia  âmbar  de  duas  caftas.í.híí  pardo  a  q  chamágris 
outro  preto:  o  pardo  he  muyfino  &eftimado  égrande 
preço  ê  todas  as  partes  do  múdo:o  preto  he  mais  baixo 
nos  quilates  docheiro,&  preftapa  muito  pouco  fegudo 
o  q  dellc  fe  tem  alcáçado:masde  hu  &doutró,ha  laido 
muito  neftaprouincia;&íae  ojeédia,deqalgus  mora- 
dores enriquecera  &  enriquece  cada  hora  como  he  no- 
tório. Finalmete  q  comoDcos  tenha  de  muito  logc  efta 
terra  dedicada  a  CFniftandadeí&  o  intercííe  feja  o  q  ma 
is  leua  os  homés  trás  fi  q  outra  nenhua  couía  q  aja  na  vi 
da?parece  manikfto  querer  intertelos  na  terra  cõ  elta  ri 
queza  do  mar,ate  chegaré  a  descobrir  aqlías  grades  mi- 
nas q  a  mesma  terra  prornece?pera  q  afsi  defta  maneira 
traga  ainda  toda  aqllacega  &  barbara  gere  q  habita  ne- 
fias  partes  ao  lume  &  conhecimento  da  noíía  íanélaFé 
catholica^q  fera descobrirlheourras  minas  mayores  no 
ceo:o  qualnoflo  Senhorpermittaqueafsifeja;peraglo 
ria  lua,  &  faluacam-de  cantas  almas- 


^•MA^A&gAAViA/Xt!^lVJ^VA/MAX.>li\»llM*'lf>lA«>i'I^ 


HTSTORIA  DA  PROVÍNCIA 
f  Capt.  9.  Do  monftro  marinho  quefe  matou 
na  capitania  de  Sam  Vicente  no 
annode  1564. 

OYcoufatamnoua,&tamdesufàdaao$ 
olhos  humanos,  a  femelhança  daquelle  fc 
ro  & cfpantofo  monftro  marinho  que  ne- 
fta  prouincia  fe  matou  no  anno  de  1  j  6  4  q 
ainda  que  por  muitas  partes  do  mundo  fc 
tenha  ja  noticia  delle ,  nam  deixarey  todauia  de  a  dar a- 
qui  outra  vez  de  nouo,  relatando  por  extenfo  tudo  o  q 
acerca  difto  paflbu.  Porque  na  verdade  a  mayor  par- 
te dos  retratos  ,  ou  quafi  todos, em  que  querem  mo- 
ftrar  a  femelhança  de  feu  horrendo afpefto,  andam  er- 
rados^ alem  diflo,  contafeo  fuecefíb  de  fua  morte  por 
differçntcs  maneiras,  fendo  a  verdade  hua  fo,  a  qual  hc 
afeguinte  ,  «[Na  capitania  de  Sam  Vicente,  fendo  ja  ai 
ta  noite  a  horas  em  que  todos  começauam  defe  entre- 
garão fono,  acertou  defair  fora  de  caía  hua  índia  efera 
na  do  capitão;  a  qual  lançando  os  olhos  a  hua  várzea  q 
cftá  pegada  com  o  mar,  &  com  a  pouoaçam  da  mesma 
capitania,  vio  andar  nella  efte  monftro ,  mouendolè  dç 
hua  parte  pêra  outra,  com  pados  &  meneos  desufados, 
&  dando algus  hurros  de  quando  em  quando  tam  feos, 
que  como  pafmada  &  quafi  fora  de  fi,  íè  veo  ao  filho  do 
mesmo  capitam,çujo nome çra Baltefar  Ferreira,& lhe 
dcuçontadoquevira,pareçédolhequçeraalgíavifam, 

diabólica 


*&*M.J 


roi»Il^T.S*l!S?Y.Vfro,l 


SANCTA     CR  VZJ  ?f 

clíabolica.Mas  como  elle  foífe  homem  não  menos  fefir 
doqueesforçado,&eftagete  da  terra  fqa  digna  de  povk 
co  credito,  não  lho  deu  logo  muito  a  fuás  palàúras  ,& 
deixandofe  eftar  na  cama,a  tornou  ontra  veza  mandar 
fora,dizcndolhe  que  fe  affirmaíTe  bé  no  que  era,  E  obe 
decendo  a  índia  a  feu  mandado  íoy:  &  tornou  mais  $f£ 
pantada,affirmandolhe  &  repctindolhe  húa  vez  & ou- 
tra,^ andaua  ali  húacoufa  tamfea,quc  não  podiafer 
fenam  o  demónio.  Entamíeleuãtou  ellemuy  de  preí- 
íà,&  lançou  mão  a  huacfpada  que  tinha  junto  de  ú,co 
a  qual  botou  fomente  em  camiía  pela  porta  fora^endu* 
pêra  fi(quando  muito )que  feria  algum  Tigre,  ou  ou- 
tro animal  da  terra  conhecido,com  a  vifta  doqualfe  de 
fenganaflfe  do  que  a  índia  lhe  queria  perfuadir.  E  pon- 
do os  olhos  naquella  parte  que  cila  lhe  afsinalou,vío  cd 
fufamente  o  vulto  do  Monftro  ao  longo  da  praya^fem 
poder  diuifar  o  que  era,  por  cauía  da  noite  lho  impedir, 
&o  Monftro  também  fer  coufa  não  vifta,&  ferarop* 
recerde  todos  os  outros  animaes.  E  chegando  fe  hum 
pouco  mais  a  el  ie,pera  q  m  elhor  fe  podelíe  ajudar  da  vi 
fta, foyfentido  do  mesmo  Móftroro qlé  leuancando $ 
cabcça,tãtoq  o.vio;começoude  caminharpera  o  mar 
donde  viera.  Niftoconheceo  o  mancebo  q  era  aquilío» 
coufa  do  mar,&  antes  que  nelíé  fe  merefIe,acodío  com 
muita  prcftezaa  tomarlhea dianteira  .E  vendo  o  Mõ- 
flroqueellelheembargauaocaminho,leuantoufedí^ 
feito  pcucimA  como  huhomem^ficandofobreas  bar- 
batanas 


lAf/á^^^UÀ^XVAItfAKtlf.^^aá^tlfttl^^J 


HISTORIADA  PROVÍNCIA 
fcátanas  do  rabo,  &  eítando  afsi  apar có  elle,deulhc hua 
cftocada pela barriga,  &  dandolha no  mesmo  inftantc 
íc  deiuiou  pêra  híia  parte  com  canta  velocidade,^  nam 
pode  o  Monííro  leualo  debaixo  de  íi:  porem  nam  pou 
co  afrontado,  porque  ogrande  torno  de  íangueq  fahio 
da  ferida,  lhe  deu  no  roftoçom  tanta  força  que  quafífi 
cou  lem  nenhua  vifta.  E  tanto  que  o  Mon|rpfe  laçou 
tm  terra  deixa  o  caminho  que  leuaua,&  afsi&rido  bur- 
lando com  a  boca  aberta  fem  nenhum  medo,remeteo 
aellc,&Tndú  pêra  o  tragar  a  vnhas  &adétes,  deulhe  na 
cabeça  hua  cutilada  miíy  grande;co  aqual  ficou  ja  muy 
débil,  &  deixando  fua  vaã  perfia,tornou  entam  a  cami- 
nhar outra  vez  pêra  o  mar  .  Nefte  tempo  acodíram  ai- 
gús  eferauos  aos  gritos  da  índia  que  eftaua  em  vclla  :■& 
chegado  a  elle  o  tomaram  todos  jaquafi  morto,  &  dali 
oleuâramdétroâpouoaçamjOndeeíleuc  odialeguitv 
te â  vifta  de  toda  gente  da  terra.  E  com  eíle  mancebo  fc 
auer  moftrado  nefte  cafo  cã animoío como  fe  mofttou 
&  fer  tido  na  terra  por  muito  esforçado  ?  fahio  todauia 
defta  batalha  tam  lem  alento^Sc  çcm  a  vifam  defte  me 
donho  animal  ficou  tam  peitmbado  &íuspenfo3q  pre 
çpntandojhe  o  pay.que  era  o  q  lhe  auia  fuccedido,não 
lhe  pode  refpóder:&  afsi  eíteue  como  aífombradofem 
falar  coufa  algua  per  hum  grande  efpaço. O  retrato  de^ 
íte  Mpftro,  he  efte  q  np  fim  do  preíçnte  capitulo  íe  mo 
ftra,cirado  pelo  natural .  Era  quinze  palmos  de  côprida 
&  iemeado  de  çabdlospelp  corpo, & no  focinho  tinha 


TJ&T&^T&TST&IZIX&jaTXSVrYS.IVS 


SANCTA     CRVZ.  |i 

huas  fedas  muy  grades  como  bigodes.  Os  índios  dacct 
ra  lhechamáoem  fua.lingua  Hipupiára,que  quer  dizer 
demónio  dagoa.  Algíis  comoeíle  fe  viram  ja  neftas  par 
tes :  mas  achanfe  rarament^  E  afsi  também  deue  de  a- 
ueroutros  muitos  moníims  de  diuerfos  pareceres^q  no 
abismo  defle  largo  &  efpàhtofo  mar  fe  eícondé,dc  não 
menos  eftranheza  &  admiração :  &  tudo  fe  pode  crdrg 
pordifficil  que  pareça:  porque  os  fegredos  da  natureza 
nam  foram  rciíelados  todos  ao  homeín,  pêra  que  com 
razam  pofla  negar,  &  cet  por  impoísiuef  as  couías  q  não 
vio  nem  de  que  nunqua  teuc  aoticia. 


1 


t'«M'A»tt^^A«i«i'j«>'x«i'iai>#gai«afc'«tt'»:w«iA'lg^ 


SSVSXEJT&TZJJSIlSIVaKSIXEF] 


SANCTA    CRVZ.  J3 

f  Ci/r/^  a  o.  Do  gentio  que  há  nejla  prouhtch,  dá 
condiam  <sr  cofiumes  delle ,  {?  de  comofe 
goHernamnapa^; 

A  que  tratamos  da  terra ,  &  das  couíàs  que 
nella  foram  criadas  pêra  o  homem,  razam 
parece  que  demos  aqui  noticia  dos  natura 
es  delia :  a  qual  poíto  q  nam  íèja  de  todos 
em  geral, fera  cfpecialmente  daquellesq 
habitam  pela  cofta,&  cm  partes  pelo  íertã  dentro  mui- 
tas legoas  com  q  temos  com unicaçam  .Osquaes  ainda 
que  eftejam  diuifos,&aja  entre  elles  diuerfos  nomes  de 
nações,  todauia  na  femelhança,  condiçam , coftumes  ? 
&  ritos  gentílicos  todos  fam  hus  .Efe  nalgua  maneira 
diíferem  nefta  parte,  he  tam  pouco, quç  fe  nam  pode  fa 
zercafo  diflb,nem  particularizar  coulàsfemelhantes,en 
tre  outras  mais  notaucis,que  todos  geralmente  feguem 
como  logo  a  diante  direy. 

tf  Eftes  índios  fam  de  cor  baça  Sc  cabello  corridio;  tem  o 
rofto  amafíado  &  alguas  feições  delle  á  maneira  de 
Chins .  Pela  mayor  parte  íàm  bem  dispoftos,rijos  õc  de 
boa  eftatura:  gente  muy  esforçada  &  que  eftima  pouco 
morrer,  temerária  na  guerra  &  de  muito  pouca  confide 
raçam.  Sam  desagradecidos  em gram  maneira ,  &  muy 
deshumanos&  crueis,inclinados  apelejar,&vingatiuos 
por  extremo.  Viuem  todos  muy  defeanfados  ícm  teré 
outros  penfamentos,fenam  de  comer,  beber,  &  matar 

E         gente, 


I  AMAAVl  éUÂ*£áJL  Â*r±J!J±J£al!ÃrJXivX  A»JXlA*»XMfJXl 


HISTORTA  DA  PROVÍNCIA 
géte,&poriflb  engordao  muito:  mas  com  qualqrdes- 
gofto  pelo  cõfeguinte  tornam  a  emmangrecer.  E  mui- 
tas vezes  pode  nelles  tanto  a  imaginaçam,q  fe  al<ní  dele 
jaa  morte,ou  algué  lhes  mete  em  cabeça  qhade  morrer 
tal  dia,ou  tal  noke,na.m  paíTa daqile  termo q  nã  morra. 
São  muy  inconftantes  &  mudaueis :  crem  de  ligeiro  tu 
do  aquillo  q  lhes  perfuadem  por  difficulcofo  &  impofti 
uelqfeja,  &có  qualquer  dífluafam  facilmente  o  torna 
logo  a  negar. Sam  muy  deshoneftos &  dados  áfeníua- 
lidade,&  aísi  fe  entregam  aos  vicios  como  fe  nelles  nam 
ouuera  razam  de  homes:  ainda  q  todauia  em  leu  ajunta 
mento  os  machos  com  as  fêmeas  tem  o  deuidoresguar 
do ,  &  nifto  moftram  ter  algua  vergonha. 
5  Alingoa  de  que  vfam,  toda  pelacofta  he  híía :  ainda  q 
cm  certos  vocábulos  ditferenalgúas  partes:  mas  não  de 
maneira  qfe  deixem  hús  aos  outros  de  en  tender  :&ifto 
ate  altura  de  vinte  &  fetc  grãos,  que  dahi  por  diante,  ha, 
outra  gentilidade  de  que  nós  nam  temos  tanta  noticia, 
que  falão ja  outra lingua  differente .  Efta  de  q  trato  qhe 
geral  pela  cofta,he  muy  branda,&  a  qualqr  naçam  fácil 
de  tomar .  Algus  vocábulos  ha  nella  de  q  nam  viam  fe- 
nam  as  fêmeas:  Sc  outros  q  namferuem  fenam  pêra  os 
machos  .Carece  de  três  letras,  conuemafaber,nam  fe  a- 
cha  nella/,  nem,l, néj^coufa digna despanto;porq  afsi 
nam  tem  Fé,  nem  Ley,  nem  Rcy :  &  deita  maneira  vi- 
uem desordenadamente femteré  alem  difto conta, ne 
pefo;  nem  medido. Nam  adoram  a  coufaalgi1a,nem  té 

pêra 


sgEnsrigiTgsnsrTsngy kj  T-ai&jiaiii&i  kíjej  iiJBaKJiay  etef  raisrra,igrarai^T.^?re 


S  ANCT  A    CRVZ;  34 

perâ  fí  q  ha  depois  da  morte  gloria  pêra  os  bos  ]  &  pena  ^cerci 
pêra  os  mãos.  E  o  q  íènté  da  immorcalidade  dalma  não' da  Re- 
he  mais  q  cere  pêra  fi  q  feus  difFuntos  andam  na  outra  tifV*™* 
vida  feridos,  despedaçados,ou  de  qualquer  maneira  q  a 
cabáram  nefta.  Eqndo  algu  morre,coftumão  enterralo 
cm  hua  cotia  aflentado  fobre  os  pés  cõ  fua  rede  ás  coftas 
qcm  vida  lhe  feruiadecarna.  E  logo  pelos  primeiros  di 
as  poemlhe  feus  pareces  de  comer  é  cima  da  coua,&tatn 
bé  algus  Ihocoftuma  a  meter détro  qndo  oenterrãp&to 
talméte  cuida  qcomé,&  dorme  na  rede  cj  té  côíígo  na 
mesmacoua.  Eftagecenam  té  entre  fi  nhu  Reynê  ou- 
tro género  de  juftiça/enã  hu  principal  é  cada  aldea,q  he 
como  capitã, ao  ql  obedece  por  vótade&nã  por  força. 
Quãdoefte  morre  fiquafeu  filho  no  mesmo  lugar  pec 
fucceflam,&nãferue  doutra  couía  lenam  de  yr  cõ  elles 
á  guerra,&  acófelhalos  como  fe  hãde  auer  na  peleja:mas 
nã  caftiga  feus  crros;né  mãda  fobre  elles  couiâ  alpua  co 
tra  fuás  vótades.  E  afty  a  guerra q  agora  té  hus  cõtra  ou- 
tros, nã  fe  leuãcou  na  terra  por  fere  diflferétes  é  leis  né  é 
coftumeSjné  por  cobiça  algua  de  interefle:masporqaa 
tiguamétc  fe  algu  acercaua  de  matar  outro ,  como  ainda 
agoraalguas  vezes  acócece(como  elles  fejã  vingaciuos& 
viuãcomo  digo  abíolutaméte  fem  teré  fuperior  algu  aq 
obedeça  né  temamos  parétes  do  morto  fe  cójurauãcõtra 
o  matador  &  fua  geraçã  &  fe  perfeguiã  cõ  tãmortal  odío 
husaoucros^daqui  veodiuidiréfe  é  diuerfos  bãdos3& 
ficarem  immigos  damanciraqagoracftã.Eporqeíhs 

E  2       disfenfoens 


íA.VAA.K'AA.VXLOil<*lI<t\'I*,VEÚ.\<r*ilIia<I¥n<li?íK 


ssassaasaa 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 
diíTcníbés  nam  foflem  canto  por  diantc,determináram 
atalhar  a  ifto  viando  do  remédio  feguinte ,  pêra  por  efta 
viafe  poderé  melhor  cóferuar  na  paz  &  fe  fazerem  mais 
fortes  contrafèusimigos.  E  he  aquando  o  tal  cafoaco 
tece  de  hu  mataraoutro,os  mesmos  parentes  do  maça- 
dor fazé  juftiça  delle,  &  logo  á  vifta  de  codos  o  afogam. 
E  co  ifto  os  da  parce  do  morto  ficam  fatisfcitos,&  hus& 
outros  permanece  em  fuás  amizades  como  dantes.Poré 
como  efta  ley  feja  volútaria  &  executada  fem  rigor ,  nc 
obrigaçam  de  juftiça  algua  ?  nam  queré  algus  cftar  por 
çlla,&  daqui  vé  logo  pelo  mesmo  cafo  a  diuidircnfe ,  & 
Icuãtarenfede  parte  a  parte  hus  contra  os  outros  como 
ja  diíTe. 

^  As  pouoações deftes  Iíidios^íàm  aldeãs:  cadahua  del- 
ias tem  fete  oito  cafas,as  quaes  iam  muy  cópridas/eitas 
á  maneira  de  cordoarias  ou  tarracenas ,  fabricadas  íómc 
tedemadcira,&cubertascõ  palma  ou  có  outras  heruas 
do  mato  femelhan tes:  eftam  todas  cheas  de  géte  de  hua 
parte  &doutra,&  cada  hu  por  fi,  tem  fua  eftancia  &fua 
rede  armada  em  q  dorme:&afsi  eftam  hus  ju  tos  dos  ou 
tros  per  ordem, &  pelo  meyo  da  cafa  fica  hu  caminho  a- 
berto  por  onde  todos  fe  feruécomo  dormitório,  ou  co 
xia  de  galé .  Em  cada  caía  deftas  viuem  todos  muito  có 
formes,fem  auer  nunqua  entre  elles  nenhuas  diíFereças: 
antes  fam  tam  amigos  hus  do$  ou  tros,cj  o  q  he  de  hu  hc 
de  todos,&  íèmpre  de  qualqr  coufa  q  hú  coma  por  pe- 
quena q  feja  todoloscircuftátes  hão  de  participar  delia. 

^Quando 


ãrm.rarEJYCTOTran 


*  ANCTA    CRVZ.  14 

f  Qtnndo  alguém  os  vay  vifi car  a  fuás  aldeai,  depois  q 
feaHcnta,coftumãochegarcníeaellc  alguas  moças  es- 
cabelladas,&  recebéno  com  grande  pranto  derramado 
muitas  lagrimas,  pcrguntandolhc(fe  he  feu  naturaljoti 
deandou,q  trabalhos  foram  os  q  paííou  depoisqdahi 
íè foy:  trazédolhe á memoria  muitos  deíafties  qlhe  po 
deram  acontecer;  buscando  en  fim  pêra  ífto  as  mais  tri 
ftes  &fen  tidas  palauras  q  podem  achar,  pêra  prouocaré 
a  choro  .Efehe  Portugues,maldizem  a  pouca  dita  de  íc 
.usdiffun tos  pois  foram  tam  malafortunadosqnamal 
cançáram  vergéte  tam  valerofa  &  luzida  pmo  Iam  os 
Portuguefes^dccuja  terra  todas  as  boas  coufas  lhes  vem 
nomeando  alguas  q  ellcs  tem  cm  muita  eftima .  Eeftc 
recebimento  q  digo hc  tam  vfado  entre  elles,q  nunqua 
ou  de  marauilha  deixam  de  o  fazer;  faluo  quando  reina 
algua  malicia  contra  osqueos  vão  vilítar,  &  lhes  querc 
fazer  algua  treiçara . 
f  As  inuéçóes  &  galatarias  de  q  vfam,  fam  trazerem  ai- 

gus  o  beiçodebaixo  furado,&hua  pedra  cóprida  metida 
no  buraco  Outros  haq  trazéorofto  todocheode  bura 
ços  &  de  pedras,&  afsi  parece  muy  feos  &  disformes :  Sc 
■ ifto  lhes  fazem  ernqnto  fam  minínos.Tãbem  coftumá 
-todos  arrancarem  a  barba,  &  nam  cofentem  nenhu  ca- 
bello  em  parte  algua  de  leu  corpo:  faluo  na  cabeça  \  ain- 
da q  orredor  delia  por  baixo  tudo  arrancam .  As  fêmeas 
prezanfe  muito  de  feuscabellos,&  trazem  nos  muy  có- 
pridos,  limpos  &  penteados,  &  as  mais  delias  ennaftra- 

E   l         dos. 


w+atmà!fmaev»MVfAà 


kAYAAVAAKA*V4 


n 


HISTORIA  DA    fROVIMCra 

dos.  E  afsi  tâmbé  machos  como  fêmeas  coftumaotmgií 
íè  alguas  vezes  có  o  fumo  de  hú  cerco  pomo  q  le  chama 
Genipápò,q  he  verde  qndo  fe  pifa,&  depois  q  o  poé  no 
corpo  &  fe  enxuga,fica  muy  negro,&  por  muito  q  fe  la- 
ue,  nam  fe  tira  lenam  aos  noue  dias. 
,  f  As  molheres có q coftumã cafar,  fam  fuás  fobrinhas  fí 
lhasdereusirmãos>ouirmaás:eftascemporligitimas(5c 
verdadeiras  molheres^  nã  lhas  podem  negar  léus  pais^ 
liem  outra  peífoaalgua  pode  cafarcóellasjená  os  tios. 
Nam  fazê  nhuas  cerimonias  é  feus  cafamentos^é  vlàm 
demais  neftea^o^q  dekuarcadahú  íuamolherperaíi 
comochegaahúa  certa  idade  porq  esperam,  q  feram  en 
tam  de  qtorze  ou  quinze  annos  pouco  mais  ou  menos* 
Algusdelles  té  tres  quatro  molhercs,a  primeira  té  é  mui 
ta  eftima  &  faze  delia  mais  cafo  q  das  outras .  E  ifto  pela 
mor  parte  fe  acha  nos  principaes,q  ore  por  eftado&  por 
hõra^prezaíè  muito  de  fe  differéçaré  nifto  dos  outros. 
%  Alguas  índias  ha  tábem  entre  etles  q  determinam  de 
Ter  cailasras  qes  rum  conhecem  home  algu  de  nhúa  qua 
!idadc>né  o  confentiram  aindaq  poridoasmaté.  Eílas 
deixam  todo  o  exercício  de  molheres  &  imittam  os  ho- 
rries  &feguéfeusoflfícios  como  fe  nam  foífem  fêmeas. 
Trazc  os  cabellos  cortados  da  mesma  maneira  q  os  ma- 
chos^ vá  a  guerra  có  feus  arcos  Sc  frechas  &  a  caça  períc 
ucrando  fempre  nacompanhiadoshomesy&cadahúa 
tem  molher  q  a  feruc  com  q  diz  que  he  calada,  &  afsi  íc 

comuaicainíJcconuexíam  como  marido  &  molher. 

.__-,• .___ .■ . . ,j.— *  --.--.     -  -      .—  — ■ —    -         _^    « é- 

Todas 


svi&raiCTT&cjTâfisnur 


issnsHEsiEHmí&tânssnBim 


S'A  N-CTA    CRV2.  %'i 

fTodasãs  outras  índias  qndoparcm,a  primeira  coufaq 
íãzem  depois  do  parto,  lauáfe  todas  em  húa  ribeira,&  h 
cam  também  dispoftas  como  fe  nam  panram,&  o  mes 
mo  fazem  a  criança  q  parem.  Em  lugar  delias  fe  deitáo 
íèus  maridos  nas  redcs,&  aísi  os  vifità  &  curam  como  íc 
cllcs  foflem  as  mesmas  paridas.  Ifto  nacc  de  cilas  terem 
cm  muita  conta  os  pais  de  léus  filhos  &  deíejarcm  cm 
cftremo  depois  q  pare  delles  de  cm  tudo  lhes  cóprazen 
f  Todos  cná  ieus  fiihos  viut  famente  fero  tihua  manei 
ra  decalf  igo,&  mamão  ate  idade  de  lecc  oito  árjcs,fe  as' 
mãisteentam  nam  acertam  de  parir  outroscj  os  tire  das 
Vezes.  Ná  ha  entre  elles  nhíías  boas  artes  a  qíedésncíe 
©ecupam  noutro excrcicio,(cnam  em  grangear  com  Te- 
us pais  o  q  ham  de  comer,  debaixo  de  cujo  tmpsroefíã 
agaíalhados  ate  q  cada  hu  por  íí  he  capaz  de  bíiscar  lua 
vidafem  mais  esperarem  heiãças  delles,ncm  legitimas 
deq  enriqueçam,  lòmentc  lhes  pagam  com  aqlla  cria- 
ram em  que  a  natureza  foyvniuerlal  a  todos  osoutros 
animaes  q  nam  participam  de  razam.  Mas  a  vida  q  bus 
cam,&  grangeariadeq  todos  viuem,heácufta de  pou- 
co trabalho,&  muito  mais  descaníada  q  a  nolla:porqu<* 
nampoííuem  nhúafazéda,nem  procuram acquiriia  ca? 
mo  os  outros  hcmés,&  afsi  viuem  liuresdc  toda  cobiça 
&deíejo  dcíordenado  de  riquezas,  de  que  as  outra*  na 
çoens  nam  carecem:  &  tanto,quc  ouro  nem  prata  nem 
pedras  preciofastem  entre  elles  nenhua  vallia  ,  nem 
pira  feu  vio  tem  neceísidade  deaenhúa  couía  dt  ftas, 

Ei        nem 


■  *1>|A*YA  AMfc  ét.'A  4.V 


r«âroáMra»a»Baraiw*rafettj^ 


mM 


gigaEaigfrcgiigy^Tgf^ggffCTWwgEWWHWWB 


_1  ««TÔRfA  »A  FROVINCTA 

nem  doutfas  femelhantcs.  Todos  andam  nus  Sc  dcscaU 
ços,afsi  machos  como  femeas,&  nã  cobrem  partealgua 
de  feu  corpo .  As  camas  cm  q  dorme,  iam  huas  redes  de 
fiodalgodamq  as  índias  tecem  nu  tear  feito  á  fua  arte: 
asjes  té  noue  dez  palmos  de  cõprido ,  &  apanhãnas  c5 
hus  cordéis  q  lhe  remata  nos  cabos  em  q  lhes  fazé  húas 
aíclhas  de  cada  banda  por  onde  as  pendura  de  húa  par 
te  &  doutra,  &afsi  ficam  dous  palmos,  pouco  mais  ou 

menosfuspendidisdocham,de  maneira  q  lhes  poífam 
'  fazer  fogo  debaixo  pêra  feaquentarédenoi  te,  ou  quan- 
do lhes  torncccííario.  Os  mantimentos  q  plantam  em 
fuás  roças  có  q  fc  íuftentam,fam  aqlles  de  q  atras  fiz  me 
çam.f  mandioca  &  milho  zaburro .  Ale  diftoajudaníc 
da  carne  de  muitos  animaes  q  matam,  afsi  cõ  frechas  co 
mo  por  induftriadefeus  laços  &  fojos,  onde  collumão 
caçara  mor pat te  delles.  Tambefe  fuftentam  do  mui- 
to marifeo  &  peixes  q  vam  pefear  pela  coita  em  jãgadas, 
qfamhíístresou  quatro  paos  pegados  nos  outros  &jíi 
|  tos,dc  modo  q  ficam  á  maneira  dos  dedos  dehííamão 

eftcndida,fobreosqes  podem  yx  duas  ou  três  pe (loas, ou 
mais  fc  mais  foré  os  paos, porqfam  muyleues&  fcffré 
uitopefo  encima  dagoa  .  Tem  quatorze,  ou  quinze 
,     palmos  de  cõprimento,&  de  grofiuraorredor  oteupa- 

rám  dous  pouco  mais  ou  menos.  Defta  maneira  viuem 
todos  cftes  índios  fem  mais  terem  outras  fazédas  entre 
íi,nem  grangearias  em  q  fe  desuellem:  nem  tam  pouco 
eftados  nem  opiniões  de  honra,  nem  popas  pêra  q  as  a 

jam 


1 


li 


ik.-auu  »..A«Mm  «R3*:«jiaJ 


fSFtisnssnsaxs&xsa  ra  ejtí*  líz  ií^ji 


S  A  NCTA    CRVt  ?y 

;àm  miíler;  porq  codos(como  digo)  Smignâes^er^ 
fcudo  um  conformes  nas  conciiçõcs^  ainkía  nefta  fattè 
viucmjuftamcnte&conformeáieydé  riâtureza; 

f  (apitu.i  i.  Vasguerras  quetemhúscormutrosts* 
amaniradecomojibaomllas. 
j|]  Sccs  índios  té  fempre  grandes  guerras  hu£ 
"  J;  côcra os  outros &afsi  núqua  íeachanelles 
I  p^zvnem  íerapofsiuclffegudôfarn  vingati 
uos&odiofos)  vedarenfe  entre  elleseíla^ 
discórdias  poroutranenhuá  via,fe  nifor per  meyosda* 
do&rina  Chriftaá  coq  os  Padres  da  copanhia  pouco  £ 
pouco  os  vãoamanfandocomoadiãtedirey.  Asarmos 
cõ  q  pelejam/am  arcos  &  í>echas,nas^es  andam  tãexe* 
crLidosq  de  marauilha  erram  a  coúlà  cj  apõtem  por  diffi 
cilqfejadacertar.  E  no  ddpedir  delias  iam  muy  ligei- 
ros em  extremo,&  fobre  tudo  muy  arriscados  nos  peri 
gos  &atreuidoségram  maneira  cótrafeus  ádueríarios. J 
Quando  vã  a  guerra  fempre  lhes  pareceq  te  certa  a  viélo 
ria,&  q  nenhu  de  fua  copanhia  ha  de  morrer,  &  afsi  em 

partmdo^dizem^amos  matar  fem  mais  outro  discurfe 
nccófideraç£:5cnãcuidáq  també  podem  fer  vencidos. 

E  fomente  co  efta  fede  de  vingança,  fern  esperanças  de 
despojos,né  doutroalgu  interelTeqaiíío  os  moua,vão 
muitas  vezesbuscarfeusimmigosmuylõgecaminhan 
do  por  ferras,  matos,defertos  &  caminhos  muy  ásperos* 
Outros  coftumáo  yr  por  mar  de  huas  cerras  pêra  outras 

cm 


k  ATJAAVi*  A«AAVAA,VAAV,i  AVA  i  VA  I »>  A  f»Al!tfl  L'JlLL<J±ALiill 


l^^s^riT^t^SifWif&iT&i^^^i^^Baiwm.rêmfív^aiVs^ 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 

5m-hifes  embarcações  a  q  chamao  Canoas  qndo  querc 
fazer  algus  faltos  ao  logo  da  cofta.Eftas  Canoas  famfet 
tasá  maneira  de  lançadeiras  de  tear  de  hú  fo  pao,em  ca- 
da hííadasquacs  vam  vinte  trinta  remeiros.  Alem  deftas 
ha outrasq  íàm  da  casca  de  hu  pao  do  mesmo  tamanho, 
cj  íc  accomodam  muito  ás  ondas ,  &  fam  muy  ligeiras, 
aindaq  menos  feguras:  porq  fcíe  atagávanfe  ao  fundo 
o q  nam  tem  as  de  pao,q  de  qualquer  maneira  fempre 
andam  encima  dagoa.  E  quando  acó  tece  alagarfc  algíía 
CS  mesmos  Indios/e  lançam  ó  mar,&  a  fuften tam  ateq 
aaçabam  desgotar,&  outra  vez  1  e  em  barcam  nclla  &.  cor 
mmafazerfua  viagem. 

f  Todos  é  íeuscó  bates  íàm  muydeterminados,&  peleja 
mvy  ánimofametefem  nhuas  armas  dcfenfiuas;  &alsi 
parece  couíàeftranha  ver  dous  ttes  milhomés  núsde  par* 
te  a  parte  frechar  bus  aos  outros  có  grandes  íuuios&  gii 
l3,men£andole todos có grande  ligeireza  ,dt  húaipar- 
tçpcra outra, pêra  que  nam  podam  os imigos apontar 
nem  fazer  tiro  em  peífoa  certa.  Porem  pelejam  desorde 
jiadamente^&desmandanfe  muito  hús  &  outros  em  fe 
1  tnelhates  brigas,  porq  nam  te  capitam  q  os  gouerne,  nc 

outros  officiaes  de  guerra,a  q  ajam  de  obedecer  nos  taes 
tipos.  Mas  ainda  q  defta  ordenança  careça,  todauia  por 
entra  parte,danfe  a  grande  manha  em  feuscometimea 
tos,&  iam  m  uy  cautos  no  escolher  do  tempo  em  q  hão 
defazet  feusaíTaltosnasaldeasdosimigcs:fobreosquaes 
coftumâ  dar  denoite  a  hora  q  os  achem  mais  descuida- 
dos, E  qndo  acõtcce  nam  poderem  togo  entralos  por  ai 


^CT,TOi7T.gT.VIT.«Trafflrag,ralT^^ 


S  INC? 'A  /GftVL      •  ?S 

jgua  cerca  de  madeira lhes  ferimoedimeto  q  ellcs te  or?e 
dor  daldea  pêra  fua  dcfenfom,fazc  outra  femelhantckl 
gu  tanco  feparada  da  mesma  aldear&atsi  a  vã  chegando 
eada  noite  dez  doze  pados  ate  q  hú  dia  amanhece  pega* 
da  có  a  dos  cócrarios,onde  muitas  vezes  fe  acha  tam  vc - 
zinhos  q  vem  a  quebrar  as  cabeças,  có  paos  q  arremetóa 
husaosoutros.  Mas  peia  mor  parte  os  ' -q  eflam  iraatdte 
ficão  melhorados  da  peleja^-  as  mais  das  vezes  fe  coim 
os  comwtedores  desbaratados  pêra  fuás  terras  tem  coníê 
guirem  viótoria,ne  triumpharemde  feus  imigos^conio 
precediam: Sc iftoalsi  por  nam  terem  armas  dctrnfiabs 
,  nem  outrosapercebimentos  necefiariós  peraíeintárf  f- 
rem  nos  cercos,&  forcicare m  contra  feus  imigos ,  coma 
também  por  íeguiré  muito  agouros \9  &  qualquer  cou& 
que  Telhes  antolha  fer  baftante  a  reciràlloç  de  leuitoéríí^ 
&tamincóíKces&pufiianimesíaitom^ 
tas  vezes  có  partirem  de  fuás  terras  muy  determinados: 
&  defejofos  de  exercitarem  fua  cru  eldade,íc  acontece  eti 
cócrar  nua  certa  aue,ou  qlqiicr  outra  coufa  íemelháte^ 
elles  tenha  por  ruim  pronoftico^nã  vá  mais  pordíátecO 
fuaditerminaçã,&  dali  cófultã  tornarfe  outra  vez  fera 
auer  algu  da cópanhia  q  feja cótra efte  parecer  Aísi q  c5 
ípquer  abufam  deftas  a  todo  tépo  fe  abalam  muy  tacii- 
;méte,aindaq  etlejã  mnyperto  de  alcançar  vicfcori^por 
q  jaacóteceo  teré  hua  aldeaqflrédida,&ph.5  papag^yo 
cj  mia  nella  falar  húas  certas  palaurasq  lhe  eltcstmhã efi 
iudo,leuãtará  o  cerco&  fogirá  fem  esperai  é  o  bõ  f  iceflb' 

^  o  tempo 


kAYAAYAAVAAVAAVAA.VAA.YAA-.7ft4 


k  AYAAYA  AVA  AVA  AVAAV.A  AMA  IVA  l'J>\  £ « JlHH*  AAiAIAtflLA»*^ 


ftcpolhes  prometia,  crendo  fcm  duuida  q  fcafsi  o  nani 
jfczeram,morréi;am  todos  a  mãos  de  feus  irnigos .  Mas 
fáfora  cftapufilanimidadc  a  q  cftam  fogeitos  -  iam  muy 
-  atreuidos(rcomodigo)&  tam  cofiados  cm  fua  valentia, 
cj  nam  ha  forças  de  cótrarios  tam  poderofas  q  os  aífom 
v brem^neni  qos  façamdesuiar  de  luas  barbaras  &  vinga 
i  tiuaa  tenções j  A  cílepropoíicocótarey  algús  caíbs  no- 
taucisqacontecéram  entre  dlcs,deixando  outros  mui- 
tos a  parte  de  q  eu  pudera  fazer  hu  grade  volume,fe  mi- 
nha teçam  fora  efcrcuellosem  particular  como  cada  hu 
idos  fèguíntes. 

f  Na  capitania  de  S-Vicé  te  fendo  capitam  Iorge  Ferreira, 
aconteceo  darem  os  cótrarios  em  húa  aldeã  q  eftaua  ní 
àkmy  longe  dosPortuguefes,&  ncfte  aflfalto  ma  tare  hú  fi 
Jhõjdõ  Principal  da  mesma  aldeã.  £  porcj  elle  era  bé  qui 
jftorj&amado  de  todos,  nã  auia peííoa nella  q  o  ní  pran- 
:teaíTc,moftrãdo  có  lagrimas  &  palauras  magoadas  o  fen 
timêtodeíua  morte*Mas  o  pay  como  corrido  &  afóu 
do  de  jnaauer  ainda  nefte  caio  tomado  vingãça,pedio  a 
odoscó  efficaciaq  le  oamauá  diísimulalsé  a  perda  de 
íca  filho,&q  per  nhúa  via  o  quiíéfsé  chorar.Paífados  três 
ouqtro  meles  depois  da  mortchdofíiho,mIdou  aperec- 
Ucr  fuagentecomo  conuinha?porlhepareceraquellc 
tempo  mais  fauqrauel&accomodado  a  íeu  propoíito: 
o  que  todos  logopoferam  emelfeóto.  E  dália  poucos 
dias  dera  coníigo  na  terrados  cótrarios  (q  feria  diftãcia 
*te  tres  jornadaspqueo mais  ou  menos^onde  fcerã  luas 

ilíadas 


^^raiCTiTZKOTiigriEa.BffiEatxffiM 


rEJIí^7  EsTE?  TEn^EsHBT  ESyEI^SyfKfT.^TT.VFTa.EZKJl 


SANCTA    CR  V  Z.  3* 

filadasjunto  da  aldca  em  parte  q  mais podeíTem  ofFcn 
der  a  feus  imigos:&  tanto  queanoiteceo,o  mesmo  Prin 
cipal  fe  apartou  da  cõpanhia  có  dez  ou  doze  frecheiros 
efeolhidos  de  q  elle  mais  fe  coníiaua ,  &  co  elles  entrou 
namesma aldeã  dos  im igos,que  o auiam  offendido:  & 
deixandoosa  parte,  fó  fem  outra  pcflba  o  feguir,comc 
çou  de  rodear  hua  caía  &  outra  efpreitadocõ  muita  cau 
tella  de  maneira  q  nam  fofle  fentido:&da  pratica  q  elles 
tinham  hus  com  os  outros  veo  a  conhecer  pela  noticia 
do  nome  qual  era,&  onde  eftaua  o  que  auia  morto  feu 
filho,&  pêra  fe  acabar  de  fatisfazer,chegoufe  da  báda  de 
fora  a  fua  eftãcia,&  como  foy  bem  certificado  de  elle  fer 
aqlle,deixoufe  ali  efiar  lançado  em  terra  efperando  q  íc 
aquietafleagente.  E  tanto  quevio  horas  acomodadas 
pera  fazer  a  fua,  rópeo  a  palma  m  uy  manfamente,  de  q 
acafa  eftaua  cuberta,&  entrando  foife  direito  ao  mata- 
dor,aq  qual  cortou  logo  a  cabeça  em  breue  espaço  com 
hucutelloque  peraiííoleuaua.  Feito  ifto  tomou  a  nas 
mãos  &  fahiofefora  a  feu  faluo.  Os  imigos  q  nefte  tem- 
po acordaram  ao  reuoliço  &  eftrondo  do  morto,  conhe 
cendo  ferem  contrários,  começaram  de  os  feguir.  Mas* 
como  feus  cõpanheiros  que  elle  auia  deixado  em  guar- 
da eftauam  promptos  ,ao  íàir  da  cafa  mataram  muitos 
delles,&afsi  fe  foram  defendendo  ate  chegarem  as  fila- 
das,donde  todos  íairam  com  grande  impetu  contra  os  q 
osfeguiã,&  ali  mataram  muitos  mais.  Ecõcfta  vi&oria 
fè  viera  recolhendo  pera  fua  terra  có  muito  prazer  &  co 

tentamento. 


&il<AtrMê.VAar.+*VAm.\'A*.v*arMàzsAãr>'A*r**MrMwti*mrfi 


t'AVAAyA'^a».VI*'A!MtA^'A«^'l.W 


1 


a 


HISTORIADA  PROVÍNCIA 
tentamento .  E  o  Principal  que  configo  trazia  a  cabeça 
do  immigo,  chegado  a  íua  aldeã  a  primeira  coufaq  fez 
foifeao  meyo  do  terreiro  da  mesma  aldea,&  ali  afixou 
nu  paoá  vifta  de  todos  dizcdo  eftas  pala  uras .  Agora  co 
pandeiros  &  amigos  meus  cj  eu  tenho  vingada  a  morte 
de  meu  filho,&  trazida  a  cabeça  ào  que  o  matou  diante 
voflbs  olhos,  vos  dou  licença  que  o  choreis  muito  em- 
bora: que  dantes  comais  razam  me  podereis  a  my  cho- 
rarem quanto  vos  parecia  que  por  algum  descuido  di- 
latauacfta  vingança,  ou  que  por  ventura  esquecidode 
tam grande offenfâja  nam  pretendia  tomalla,fendo eu 
aquelleaquem  mais  deuia  tocar  o  fentimentode  fua 
morte.  Dali  pordiante  foyíempreefte  Principal  muy 

temido  j  &  ficou  leu  nome aífamado  por  toda  aquella 
terra. 

f  Outro  cafo  de  nam  menos  admiraçam  aconteceoen 
tre Porto  feguro  Sc  o  Spirito  Saneio , naquellas guerras 
onde  mataram  Fernão  de  Sá  filho  de  Memde  Sá^q  en- 
tam era  Gouernador geral  deftas  partes.  E  foyq  tendo 
os  Portuguefes  rendida  hua  aldeã  com  fauòr  dalgus  In; 
Jios  noírosamigosque  tinham  de  fua  parte, chegarão 
a  húa  caía  pêra  fazerem  prefa  nos  imigos  como  ja  tinha 
feito  em  cada  hua  das  outras.  Mas elles  deliberados  a 
morrer,  nam  coníintiram  que  nenhum  entrafíe  den- 
tro^ os  defora  vendo  lua  determinaçam,&qúepor 
nenhúa  via  le  queriam  entregar,  dixeranlhes  que  1c  lo 
go  a  hora  o  nam  faziam ,  lhesauiam  de  por  fogo  á  caía 

fem 


sfEJirçilEFEnsrEsí 


SANGTA    CRV2.  4o 

fem  nenhua  remiflarn .  E  vendo  os  noflosque  c5|elles 
nam  aproueitaua  efte  deíengano ,  antes  fe  punham  de 
dentro  cm  detcrminaçam  de  matarquantospodeíFem,: 
lhespoíeram  fogo:&  citando  a  caía  afsi  ardendo,oPria 
cipai  delles  vendo  que  ja  nam  tinham  nenhu  remedia 
de  faluaçam  nem  de  vingança,&que  todos  começauá 
de  arder,  remeteo  de  dentro  com  grande  fúria  a  outro 
Principal  dos  cócrarios  que  padaua  por  defronte  da  por 

ta  da  banda  de  fora,&  de  cal  maneira  o  abarcou  ,qfern 
fe  poder  Iiurar  de  luas  mãos,  o  meteo  configoem  caís, 
& no  mesmo  inftantefe  lançou  com  elle  na  fogueira^ 
onde  arderam  ambos  com  os  mais  que  la  eftauam  fera 
cfcapar  nenhum. 

f  Neíte  mesmo  tempo  &luçar  deu  híí  Português  hua 

tam  gram  cuciladaa  hum  índio, que  quaii  ocortou 

pelo  meyo :  q  qual  caindo  nochão  jacomo  morto,an~ 

tesque  acabafle de efpirar, lançou  amão  a  hua  palha 

que  achou  diante  de  íl,  5c atirou  com  ella  ao  que  o  ma 

tara,  como  que  fedixcra  .Recebemc  a  vontade  que  te 

nam  poíTo  mais  fazerque  iftoque  te  faço  em  final  de, 

vingança  .Donde  verdadeiramente  íe  podeinfirirque^ 

outranenhua  coufa  osatormenta  mais  na  hora  de  liu 

morte  quea  magoa  queíeuam  de  fe  nam 

poderem  vingar  de  feus 

imigos, 

fCapi.u^ 

1 


SáAVAt-titáriAi 


w.Uif.iH'.'lwiwimiiiM1m.im>inmri»ft'l 


!  Sif i*3T  W»T 


TOfravrcssrrasr^iTrfWTrrayj^^ 


HISTORIADA    PROVÍNCIA 


1 


II 

I 

s 
I 

I 

I 

1: 


f|  Capitulo  n.  Da  morte  que  dam  aos  calinos 
i?  crueldades  que  vfam  come  lies. 

VA  dascoufas  cm  que  efíes  índios  mais 
repugnam  o  fer  da  natureza  humana,  &  c 
que  totalmente  parece  quefe  extremam 
dos  outros  homés,  he  nas  grades  &  excef- 
íiuas  crueldades  q  executam  em  qualqr 
pcíToa  que  podem  auer  ás  mãos,  como  nam  fejadefeu 
rebanho.  Porque  nã  tam  fomente  lhe  dão  cruel  morte 
cm  tépo  que  mais  liures  &  defempedidos  cftã  de  toda  a 
paixam:  mas  ainda  depois  dilío,  por  fe  acabarem  de  fa- 
tisfazer  lhe  comem  todos  a  carne,  viando  neíla  parte  de 
cruezas  tam  diabólicas, que  ainda  nellas  excedem  aos 
brutos  animaes  que  nam  tem  víb  de  razam,nemforão 
nacidos  pêra  obrarclemencia, 
1  Primeiramente  quando  tomão  algum  contrario,fe  lo 
go  naquelle  fraganteo  nam  matam,leuã  no  a  fuás  terras 
pêra  que  mais  a  leu  fabor  fe  políarn  todos  vingar  delle. 

E tanto 


*  —»  "••■■  "•-*-»  "■•■«  *■•**■  "■•■»  ""  "»»'"  ""  »"  ""  "•'■»  *■-»  "»  ""»  *"■  ~  »""»ffiT"  ^»  """»  *JJ»  »"• 


graiai^T^^iiai^iigi^i^iaii^ 


SANCTA    CRVK  *f 

E  tanto  q  agente  da atdca  tem  notícia  que elíes  trazem' . 
©  cal  çatiuo,  dahi  lhe  vão  fazendo  hu  caminho  ate  obài 
de  meya  legoa  pouco  mais  ou  menos  onde  o  cfperam. 
Ao  ql  cm  chegando/ecebem  todos  có  grandes  atrontâs 
&  vitupérios,  tangendolhe  húas  tramas  q coftumam  fâ 
7xx  decanas  das  pernas  doutros  cótraiios  lemelhantes 
q  matam  da  mesma  maneira.  E  como  entram  na  aldeã 
depois  de  aísi andarem có  elletriumphandode  huapàt 
te  pêra  outra,  lançanlhe  ao  pefcoço  hua  corda  de  algo- 
d^m  qperaiíTb  tem  feita,aqualhe  muygrofla,  quanto 
naqlla  parte  q  oabrãge,&tecidaou  enlatada  de  manei 
r^q  ninguém  a  pode  abrir  nemcerrar,fenamheomçs 
moofficialqafaz.  Efta  corda  tem  duas  pontas  compri 
das  por  onde  o  atam  denoite  pêra  namfogir.  Dali  o  me 
tem  nua  caia,  &  junto  da  eftancia  daqucllcqo  catiuoíi 
lhe  armão  hua  rede,&  tanto  q  nella  fc  lança ,  ceflam  to- 
dos os  agrauosfemauer  mais  peflba  q  lhe  façanhúaof- 
fenfa.  B  a  primeira  coufa  que  logo  lhe  aprcíéntam,he 
hua  moça  a  mais  fermoía  &  honrada  que  ha  na  aldeada 
qual  lhe  dam  por  molher:&  dahi  por  diãte  cila  tem  car 
go  de  lhe  dar  de  comer  &  de  o  guardar,  &  aísinam  vay 
nunqua  pêra  parte  que  onamacópanhe  .E  depois  de  o 
terem  deita  maneira  muy  regalado  hu  anno,  ou  o  tepo 
que  querem,  determinam  de  o  matar,  &  aquellcs  vlti- 
mos  dias  antes  de  íua  mòrte^por  feftejarcm  a  execuçam 
defta vingança, aparelham  muita  lou^a  noua,&fazc 
muitos  vinhos  do  çumo  de  hua  planta,  qfc  chama  Ai- 

F  piro, 


ZÂâr**VJAâ.v+aiV*»ff*ai:'AâtJ!Aawi 


Uft  *Y4  ÊUA  AYAAh 


^'^A«^'«P.»JA^I^'A».«lA^.»AA.UlwAlj<.A'fO»'^;.l^MtXO>'J»tl^«Atl 


«I  HISTORTADA    PROVÍNCIA 

ptm,de  que  atras  fiz  meçam.  Neftc  mesmo  tempo  lhe 
ordenam  hua  caía  noua  óride  o  mete.  E  o  dia  q  ba  de  pa 
decer,  pela  menhaã  muito  cedo  antes  que  o  foi  fap,o  ít 
ramde!la;&  com  grandes  cantares  &  folias/y  leoa  ma  ba 
libara  bua  ribeira .  E  tanto  que  o  tornam  a  trazer  vaníc 
com elle a hu terreiro qeftá no meyo  da  aldeã  &alitbc 
fnudam  aquella  corda  do  pescoço á  cinca, paflandolbc 
iiua  ponta  pêra  trás  outra  pêra  diátc:&  em  cada  húa  de- 
las pegados  dous  três  índios.  As  mãos  lhe  deixam  íoltas 
porque  folgam  de  o  ver  deffender  eõ  ellas:  &  ali  lhe  cbc 
gam  bus  pomos  duros  que  tem  entre  íi  á  maneira  de  b- 
ríjas  com  que  poflía  atirar  &ofFender  a  quem  quiíer.  E 
aquclleque  efta  deputado  pêra  o  matar^ke  hu  dos  mais 
valentes  &honradosda  terra.aquem  por  fauor  &  primi 
tiencia  de  honra  concedem  cite  officio .  O  qual  fe  empe 
lia  primeiro  por  todo  o  corpo  com  penas  de  papagayog 
<&  de  outrasaues  de  varias  cores  .Eaísi  íaedefta  manei- 
ra com  hum  Índio  que  lhe  traz  a  efpada  (obre  hú  algui- 
dar,  a  qual  be  de  bum  pao  muy  duro  &  pefado ,  feitaá 
f  maneira de  hua  maça,ainda que  na  ponta  tem  algua íc 

I  melhança  de  paa *  E  cbegandoao  padecéte  a  toma  nas 

mios,&  lha  pada  por  baixo  das  pernas  &  dos  braços  me 
neandoa  de  bua  parte  pêra  ou tra.  Feitos  eftas  cerimonias 
afaitafe  algum  tãto  delle,&  começa  de  lhe  fazer  húa  faia 
a  mododepregaçamrdizcndolbeque  íè  moftre  muy 
esforçado  em  defender  fita  pefíba,  pera  que  o  nam  des- 
lionrc,  nem  digam  4  matouhu  home fraco,afiminado 

&dc 


5ANCTA    CRV£  tf 

&  de  pouco  animo,&  que  fc  lembre  que  dos  valetes  hc 
morrerem  daquella  maneira  em  mãos  de  feus  ímigos, 
&  nam  em  luas  redes  como  molheres  fracas, que  nâo  fo 
ram  nacidas  pêra  com  luas  mortes  ganharem  femelha- 
tes  honras .  E  fe  o  padecente  he  homem  animofo,&  na 
cfládesmayadonaquellepafio(como  acontece  a  algus) 
respondelhe  com  muita  loberba  &  oufàdia,que  o  mate 
muito  embora,  porque  o  mesmo  tem  elle  feito  a  mui- 
tos feus  parçtes  &  amigos.  Porem  que  lhe  lembre  q  aíii 
como  toma  de  fuás  mortes  vingança  nelle/qalsitambc 
os  léus  q  háo  de  vingar  como  valentes  homés^ôc  auereti 
íe  ainda  com  elle  &  com  toda  fua  geraram  daqlla  mes- 
ma maneira.  Ditas  cftas& outras  palauras  femelhan- 
tes3que  ellcscoftumãoarrezoar  nos  taes  tempos,  reme 
te  o  matador  a  elle  com  a  cfpada  leuancada  nas  mãos, 
cm  poftura  de  o  matar,&com  ella  o  ameaça  muitas  ve 
EeSjfingindoquelhequerdar.  Omiícrauel  padecente 
que  fobrefi  vé  a  cruel  eípadaentreguenaquellasviolen 
tas  &  rigurofas  mãos  do  capital  imigo,có  os  olhos  &  feri 
çidos  prontos  nella,  em  vão  fe  defende  quanto  pode. E 
andando  aísi  neltes  cometimentos,  acontece  alguas  ve- 
zes virem  a  braços,  &  o  padecente  tratar  mal  ao  mata- 
dor comarnesmaefpada.  Mas iílo raramente, porque 
acodem  logo  com  muita  prcftezaoscircunflantesali- 
uralo  de  luas  mãos.  E  tanto  que  o  matador  vc  tempo 
opportuno  ,  tal  pancada  lhe  dá  na  cabeça  ,  que  lo- 
go lha  faz  em  pedaços .  Eftá  hua  índia  velha  preftes 

F  z        com 


Mâr«aiTtia<rii*AYa*v*fcYAár^aM*jia*j 


ÍVAXtLàUAX^âtfàMZ*AXAJLl£lÀ?t±lVXlK*AlV*A\*AS&JX'±*Z!iJ 


uwwiisffliíEKswisain^ 


HISTORIA  DA    PROVÍNCIA: 

iom  hu  cabaço  grande  na  mão ,  Sc  como  clk  cae,  acode 
muito  de  prelía  a  meterlho  na  cabeça  pera  tomar  ncllc 
os  miolos  &  o  Tangue,  E  como  deita  maneira  o  acabam 
de  matar,  fazeno  cm  pedaços^  Secada  principal  qahi  1c 
acha,leuafèu  quinhão  peracóuidar  a  gente  de  fuaaldeaè 
Tildo  enfim  afiam  &  cozem  ,&  nam  fica  delle  couTaq 
nameomao  todos  quantos  ha  na  terra.  Saluoaqlte  que 
o  matou  nãcome  delle  nada,&  alem  diíTo  mandaíe  Tar- 
jar por  todao  corpo,  porq  tem  por  certo  q  logo  morre- 
íá,íc  nam  derramarde  fi  aquelle  Tangue  tanto  q  acaba 
de  fazer  íèu  officio .  Algú  braço  ou  perna,  ou  outro  qual 
querpedaçode  carne  coftumáo  afiar  no  fumo,  &  tella 
guardado  algus  meíès,pcra  depois  quando  o  quiíere  co- 
mer, fazerem  nouas feftas,  &  co  as  mesmas  cerimoniai 
tornarem  a  renouar  outra  vez  o  gofto  deíla  vi  ngança  co 
mo  no  dia  cm  q  o  mataram  l  E  depois  q  afsi  chega  a  co 
mera  carne  de  íèus  contrários,  ficam  os  ódios  confirma 
dospcrpctuamcnte,poiqícntem  muito  efta  injuria,  & 
porilFo  andam  fempre  a  vingaríe  husdos  outros  como 
I  jatenhodito.Efeamolherqfoydocatiuoacertadefi- 

f  car  prenhe,  aquella criança  q  pare,  depois  de  criada,ma- 

I  tãna&comcna Tem  auer entre ellcs  pefiòaalguaq  íceo 

í  padeça  de  taminjufta  morte  e  Antes  Teus  próprios  auós 

(  a  quem  mais  dcuia  chegar  cila  magoa)  Tam  aq! fesque 
c5mayorgoftooajudamacomer,5cdizéq  como  filho 
de  Teu  pay  íc  vingam  delle:  tendo  pera  fique  em  tal  caTo 
nám  coma  cfta  criatura  nada  dã  mãy,nc  crem  q  aquella 
rir  .,  ;"  "  imig* 


I 


km*.\mmju».ma.immmimmrKi*Miir**.:.m.iji*ÊLT*-*.mjinm**m  ■■■111 


SfEirajisrErissnsirEraara^ 


SA  NCTA    CRV2:  || 

imíga  fcmentc  pode  ter  miftura  com  íêu  íarigue .  E  por 
cftc  respeito  fomente  lhe  dam  cfta  molhcrcomq  con- 
uerfe:  porque  na  verdade  fam  cllcs  tacs,que  nam  fc  auc 
riam  de  todo  ainda  por  vingados  do  pay,(e  no  innocétc 
filho  nam  executaflem  cfta  crueldade .  Mas  potq  a  imy 
fabc  o  fim  que  hão  de  dar  a  cfta  criãça,  muitas  vezes  çpi 
do  fe  fente  prenhe,  mataa  dentro  da  barriga,  &  faz  com 
q  nam  venha  a  luz.  Também  acontece  alguas  vezes  af- 
feiçoarfe  tanto  ao  marido,quechcgaafogircom  cllcpc 
ra  fua  terra  pelo  Hurar  da  morte .  E  afsi  algús  Português 
ícs  defta  maneira  efeapáram, que  ainda  oje  cm  dia  viuc. 
Porc  ò  que  por  efta  via  fc  nam  falua,  ou  por  outra  qual  - 
t)uer manha  occulta,fera  coufa  impoísiucl  efeapar de  íii 
as  mãos  com  vida:  porque  nam  coftumam  dallaa  nhíi 
catíuo,  nem  difíftirám  da  vingança  que  cfpcram  tomar 
deilepor  nenhua  riqueza  do  mundo, quer  feja  macho 
quertemea  Saluofco  Principal,ou  outro  qualquer  da 
aldeã  acerta  de  cafar  com  algua  eferaua  fua  contrariado 
mo  muitas  vezes  acontecejpelo  mesmo  cafo  fica  liberta 
do,<5cafTentam  cm  nam  pretenderem  vingança  delia, 
por  comprazerem  á  qnelle  que  a  tomou  por  molher; 
Mas  tanto  que  morre  de  fua  morte  natural,  por  compri 
rem  as  leis  de  fua  crueldade  (  auendo  que  ja  nifto  nam 
ptFendem  ao  marido  )  coftumam  quebrarlhe  a  cabeça, 
ainda  que  ífto  raras  vezes,porque  le  tem  filhas  nam  dei 
Mm  chegar  ninguema  cila,  &  eftam  guardando  feu  cor 
poatequeodemáfcpultura. 

F  j       50utro$ 


SSi^v,Tãàrt'+a>v*mrf**r.**áir*ai^Èr.'*Mmírjimwn<M* 


r«MW««™*g^^**re««m5w«M^»^A«.^w 


HISTORIA  0X    PROVÍNCIA 

f  Gdtros  índios  doutra  naçam  difíerente ,fe  acham  ne- 
ftas  partes,ainda  rnaisferoces  Sc  de  menos  razão  q  cftes. 
Chamaníe  Aimorés3osquaes andam  por  efta  coita  co- 
mo íakeâdores,&  habitam  Ja  capitania  dos  Ilheos  ate  a 
de  Porto  feguro,  aonde  viera  ter  do  fercam  noannodc 
^5,  pouco  mais  ou menos.  Acaufade  reíidíréneíta  par 
temais  que  nas  outras,  he  por  ferem  aqui  as  terras  mais 
âccomodadasafeu  propofi to,  afsi  pelos  grandes  matos 
me  tem  onde  fempre  andam  emboscados, como  pela 
niuitacaçaquchanellas,que  he  o  feu  principal  manei- 
jnentodequefe  fuftentam .  Eftcs  Aimorés  iam  mais  ai 
i:os  &  de  mayor  eftaturaqueos  outros  índios  da  terra, 
com  a  língua  dos  qes  nam  tem  a  deftes  nenhua  femelha 
ca  nem  parentefeo.  Viuem  todos  antre  os  matos  como 
brutos animaes,fem  terem  pouoações  nem  cafasemq 
fe  recolham  .  São  muy  forçofos  em  extremo,&  trazem 
hus  arcos  muy  compridos  &groflbs  cóíbrmes  a  fuás  For 
f  ças,&asfrcchasdamesmamaneira .  Eftes  Alaruestetn 

|  feito  muito  dano  neftas  capitanias  depois  que  deceram 

f  a  efta  cofta,&  mortos  algus  Portuguefes  &  efcrauos,pot 

|  que  fam  muy  bárbaros,  &  toda  a  gente  da  terra  lhes  he 

p  odiofa .  Nam  pelejam  em  campo,nem  tem  animo  pêra 

|  iflo:  poenfe  antre  o  mato  junto  de  algu  caminho,&  tatl 

2  to  que  alguem  pafla,atiranlhc  ao  coraçam,ou  a  parte  on 

cie  o  matem,&  nam  despedem  frecha  que  nam  na  em- 
preguem .  As  molherestrazé  húspaos  groííos  á  mane  i- 

rade 


SA  NCTA    CRVZ;  $jj 

ra  de  maças  com  que  os  ajudam  a  mataralguas  pefifqas 
<|ndo  fe  otFerecc  occafiam  .  Ate  gora  riam  íc  pode  achai 
nenhu  remédio  pêra  deftruir  cfta  pérfida  gente:  porque 
canto  q  vem  tempo  opportuno,  fazem  feus  faltos,&  lo- 
go fe  recolhem  ao  mato  muy  de  prefía,onde  iam  tam  li 
geiros  &  nianhoÍQS,  que  quando  cuidamos  que  vam  fo 
gindo  ante  quem  os  perfegue,  entam  ficam  atras  efcon 
didos  atirando  aos  q  paííam  descuidados :  &defta  ma- 
neira matam  muita  gente.  Pela  qlrazam  todos  quãtos 
Portuguefes  &  índios  ha  na  terra  os  teme  muito :  &aísi 
onde  os  ha,  nenhu  morador  vai  a  lua  fazenda  por  terra, 
que  nam  leue  çoníigo  quinze  vinte  escrauos  de  arcos  & 
frechas  pêra  fua  defcnfàm .  O  mais  do  tépo  andam  der- 
ramados por  di  ueríàs  partes,  &  quando  fc  querem  ajun 
tarafTuuiamcomo  paffaros,ou  como  bugios,de  manei 
raq  húsaos outros  1c entendem  &  conhecem,  íèm fe- 
rem da  outra  gente  conhecidos  .Nam  dam  vida  hua  ío 
hora  a  ninguém,  porque  íàm  muy  repentinos  &acele 
radosnotomardefuas  vinganças .& tanto, que  mui- 
tas vezes  eftando  a  peffbaviua,  lhe  cortam  a  carne,  & 
lha  eftam  afiando  &  comédo á  vifta  de  feus  olhos.  Sam 
finalmente  eftcsSeluagéstamafperos  &  crucis,q  nam 
Tc  pode  co  palauras  encarecer  fua  dureza .  Algus  delles 
puueram  jaós  Portuguefes  ás  nuos:  mas  comofejáta 
brauos  &  de  côdiçã  tá  efquiua  nuqua  os  poderá amãfar 

F  4         nem 


^.| 


'Aa?A*M?.i**r.\».mr.'+ví*m.'.'*.*rj*ttv*ãrAti 


rA*m'Âr&àttÀL'SÀLV±'lUXI<W&.'VtVi'l**'iin'i'*i?i 


«cm  fomente  a  nenhua  ícruidam  ,comoo$  outros  ín- 
dios da  cerra  que  nam  rceufam  como  eftes  a  fogeiçam 
do  catiueiro. 

f  Também  ha  hus  certos  índios  junto  do  rio  do  Mar* 
iiham,  da  bãda  de  Loefte,  em  altura  de  deus  grãos,  pou 
co  mais  ou  menos,  que  fechamãoTapuyas,osquacsdi 
fcem  que  Iam  da  mesma  naçam  deftes  Aimorés,  ou  pe- 
lo menos  irmãos  cm  armas,  porque  ainda  que  fe  encó- 
trem  nam  offenJem  hus  aos  outros .  Eftes  Tapuyasna 
comem  a  carne  de  nenhus  contrarios,antes  íâm  imigo$ 
capitães  daqucllcs  que  acoftumão  comer,3cos  perfeguc 
com  mortal  ódio.  Porem  pelo  contrario  tem  outro  ri- 

|  to  muito  maisfeo& diabólico, contra  natureza, &dt- 

gno  de  mayor  cfpanto .  E  hc,  que  quando  algu  chega  z 
cftar  doente  dè  maneira  que  íedescófie  de  íuavida,feu 
pay  ou  mãy,  irmãos,ou  irmaãs,ou  quaesqr outros  pa- 
rentes mais  chegados,©  acabam  de  matar  com  fuás  pró- 
prias mãos,  auendo  q  vfam  afsi  com  clle  de  mais  pieda- 

I  de,quc  confinarem  queamortcocftcja  lènhoreando 

&  confumindo  por  ter  mos  tam  vagarofos .  E  o  pior  que 
hc,qucdcpoisdíftooaíTam  &  cozem  &  lhe  comem  to- 
da a  carne,& dizem  que  nam  hãodefoffrer  q  couía  tão 
baixa  &  vil,  como  hc  a  terra,lhes  coma  o  corpo  de  quem 
clles  tanto  amam,&  q  pois  he  feu  parente,  &  entre  cllcs 
hatãtarazam  dcamor,qucfepultura  mais  honrada  lhe 
,  podem  dar  que  mctello dentro  cm  íi  &  agafalhalo  pe- 
sa íempre  cm  fuás  entranhas» 


»  — *»~~— —  — ,—  -Jw^»/wi»».w  «■■»■  .1»^,,.  mfj  ^...m»  «wm  mi  lUlllllli 


arasnsnzresrwTsiíEn!^^ 


1'AtfCT'i    CRVZ-       f      U  4Í 

fE  porque  meu  intento  principal  nam  foy  tratar  aqui 
fenam  daqueiles  índios  q  íamgéracs  pelacofta  ,com  5 
Portuguefestem  cõmunicaçam,  na  me  quis  mais  deter 
cm  pai  ticulatizar algus  ritos  defta  &  doutras  nações  dif 
fercntesquehánefta  prouincia,por  me  parece  q  feria 
temeridade  &  falta  de  confideraçamefereuer  emnifto- 
tiatam  verdadeira,coufasemquc  por  ventura  podia  a* 
uer  falfas  informações,  pola  pouca  noticia  que  ainda  te 
mos  da  mais  gentilidade  que  habita  pela  terra  dentro. 

f  Capitulo  i  j .  Dofruho  que  fa^em  neflas  partes  oí 
Tadres  da  Companhia  comfua  doflrina. 


<  jifí/^s^>n 

Or  todas  as  Capitanias  defta  prouineía  è2 
ftam  edificados  mofteiros  dos  Padres  da 
companhiade  I E  S  Vj  &Teitas  cmalgua* 
partes  alguas  Igrejas  entre  os  índios  q  fatn 
dcpaz,ondc  reíidcm  algus  Padres  pêra  os  doutrinar  Sc  fa 
zcrChriftaos:  o  que  todos  aceitam  facilmente  fem  con 
tradiçamalgua.  Porque  como  ellesnam  tenham  nhua 
ley,  nem  couía  entre  íi  a  que  adorem  ,hclhcs  muito  fá- 
cil tomar  efta  noíTa.  E  aíài  também  com  a  mesma  facili- 
dade, por  qualquer  couía  lcuea  tornam  a dcixar,& mui 
tos  fogem  pêra  o  fertam, depois  de  bautizados  &  inftrui 
dos  na  doutrina  Chriftaá .  E  porque  os  Padres  vem  a  ia 
conftancia  que  ha  nellesJ&  a  pouca  capacidade  que  cetn 
pêra  obfcmarcm  os  Mandamc  tos  da  ley  de  Deosf  prin- 
cipal-- 


aiatáraàv,! 


iXVkà!òk£ZAA?JàM^i£tÀ^'lÀ*£i^'XÃZal±',!lLL^à.V*MS±*l2Xl^ 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 
cipalmente  os  mais  antigos,  que  fam  aquelles  em  q  me 
nos  frucfcificaa  fetnente  de  lua  doettina)  procuram  cm 
efpeciaiplantálaem  feus  filhos,  os  quaes  leuam  de  mi* 
ninos  infiruidos  nella  .  E  defta  maneira  fe  tem  efperan 
ça(  u>  diante  a  diuina  graça)  que  peio  tempo  adiante 
fe  va edificando  a  religiam  Çhriftaã  por  toda  cfta  pro- 
uincia^&queaindancIíaHoreçavniuerraímenteanof- 
íà íànéia Fé catholiça^ como  noutra  qualquer  parte  da 
Ch.riftandade  .  E  pêra  que  o  fruílo  defta  do*5lrina  fe  iu 
perdcfle,antcs  de  cada  vez  fofle  em  mais  crecimento,dc 
terminaram  os  mesmos  Padres  de  atalhar  todas  as  occa 
fiões  que  lhe  podiam  da  noííaparte  íer  impedimento^ 
cauíade  eícandalo,  &  prejuízo  ás  conciencias  dos  mora 
dores  da  terra .  Porque  como  eftes  índios  cobiçam  mui 
toalguascoufas  que  vao  defte  Reino,  çonuemafaber, 
camiíàs,pelotes,ferramentas,&  outras  peças  femelhan 
tes^vendianfea  froco  delias  híis  aos  outros  aosPortu- 
guefes ;  os  quaes  a  voltas  diílofalteauam  quantos  que- 
riam^ fazianlhçs  muitos  agra  nos  femningué  lhes  ir  i 
nião.Masjâgoranamhaefta  desordem  na  terra, nem 
resgates  como  foya ,  Porque  depois  que  os  Padres  virão 
a  fem  razam  que  com  elles  fe  víaua  ,  &  o  pouco  fcrtiiço 
de  Deos  que  daqui  fe  feguia  ,prouèram  nefte  negocio 
&  vedaram  (como  digo)  muitos  faltos  que  faziam  os 
mesmos  Portuguefes  por  efta  çofta:  os  quaes  encarrega 
qam  muito  fuás conciécias com catiuarem  muitos  In- 
dipsçonçra  direito^ mo ucrenlhes guerras  injuftas .  E 

pêra 


j ff i—  -■■■■»  fw»  ».-. ■—  m.-**  -.-_-,.  -j^-  mji.-»  ms--^ -.-»■-  m.  .■»  — ■ . ■» mCl»  m mm lif>M«l m mtM.m**\m* HIMtMiU  ABOft •»» AKaiaúi .&  MM  truuumuUU 


g^raTT^TTiWTTATrATreMra^^ 


SANCTA    GRVZ:  4  ê 

pêra  enitar  tudo  iíta,  ordenaram  os  Padres,  &  fezeram 
com  os  Gouernadores  &:  Capitães  da  terra, que  rum 
ouueífem  rnais  resgates  daqueila  maneira,  nem  conferi 
tiffem  que  foífe  nenhum  Portuguesa  fuás  aldeãs  fem  li 
cença  do  íeu  mesmo  Capitam  .  Ele  algum  faz  c  intra 
rio,  ou  osagrau^  per  qualquer  via  que7eja,aindaquc  va 
com  licença,  pelo  mesmo  cafo  hc  muy  bc  caftigado^co- 
formeafua  culpa.  Alem dífto,pcra que  neftaparteaja 
mais  defengano,  quantos  eferauos  agora  vem  nouame 
te  do  íertam,  ou  de  húas  capitanias  pêra  outras ,  todos  le 
uam  primeiro  a  alfandega,&  ali  os  examinão  &  lhes  fà 
zempreguntas,qucm  os  vendeo,ou  como  foram  resga 
tados:  porque  ninguém  os  pode  vender  fenam  ícus  pa- 
is (fe  for  ainda  com  extrema  neceísidade)ou  aqueiles 
que  em  jufta  guerra  os  catiuam :  &  os  que  acham  mal 
acqueridos  poemnos  em  ília  liberdade.  E  defta  maneira 
«quantos  índios  fc  compram  fam  bem  resgatados ,  &  os 
moradores  da  terra  nam  deixam  por  iffo  de  ir  muito  a- 
uantecom  fuás  fazendas. 

f  Outros  muitos  beneficios&  obras  piasse  feito  cftes  Pa 
dres  &  fazé  oje  é  dia  neftas  partes,a  q  có  verdade  íe  nam 
pode  negar  muito  louuor.  E  porq  ellas  fam  taes  q  por  íl 
fe  apregoa  pela  terra,ná  me  quis  intermeter  a  tratalas  a- 
qui  mais  por  extéforbafta  fabermos  quã  aprouadas  fam 
c  toda  parte  fuás  obras  por  fanótas  &  boas,&  q  fua  tença 
nam  he  outra  fenam  dcdicallas  a  noííò  Senhor,  deqnc 
íome te  eíperã  a  gratificada  &  premio  de  fuás  virtudes. 

jCapi.i^J 


•ALVÉilLVÍàr.A+VAVfAmrsiw+aMivrjAi 


i»#4ifMiyj^aAVjg/x««tvjt'.ui».<iwiitfii»>t'i»,u'ittt^^^^^^ 


',W»TT.,.'WVVT,!VW,WltllW1ftWrn%Tr.VT,w 


I 
I 

I 

J 

! 

I 
I 


I 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 

^  ^/jíV«/o  1 4.  Da* grandes  riquezas  qmfe  efperatò 
da  terra  do  feriam. 
Sta  prouincia  San#aCruzaaIcmdefcrtí 
fértil  como  digo ,  &  abaftada  de  todolos 
mãtimcntos  neccfíarios  pera  a  vida  do  ho 

mcm,hecerto  fer  também  muy  rica, &a- 
uer  nella  muito  ouro  &  pedraria,dc  quefe  tem  grandes 
esperanças.  E  a  maneira  de  como  iftofe  vco  a  denun- 
ciar &  terporcoufaaueriguada  %  foy  por  via  dos  índios 
da  terra  í  Os  quaescomo  nam  tenham  fazendas  que  os 
detenham  em  fuaspatrias,&  íeu  intento  nam  feja  outro 
fenam  buscarfempre  terras  noiías,a  fim  de  lhes  parecer 
que  acharam  nellas  immortalidadc  &  descaníb  perpe- 
tuo,açontccco  leuantarenfe  híis  poucos  de  fuás  terras, 
&  metereníe  pelofertam  dentro:  onde  depois  de  terem 
entrado  alguas  jornadas,  foram  dar  com  outros  índios 
feu$çontrarios,&ali  tcuçram^omelies  grande  guerra. 
E  por  ferem  muitos  &  lhes  darem  nas  coitas,  nam  fepo- 
déram  tornar  outra  vez  a  fuás  terras ;  por  onde  lhes  fov 
forçado  entrar  pela  terra  dentro  muitas  legoas  .Epelo 
trabalho  &  mivida  q  nefte  caminho  palTaram ,  morre- 
ram muitos  dclles;&  os  que  eícapáram  foram  dar  c  hua 
terra  onde  auia  alguaspouoaçôes  muy  grades  &  de  mui 
tos  vezinho$,os  qcs  pofiuiã  tanta  riqueza,  q  affirmárã  a 
uer  ruas  m  uy  cõpridas  entre  ellesmas  qes  fe  nã  fazia  ou  - 
tra  çoufa  fená  laurar  peças  douro&pedraria.Aqui  fe  detc 
«crãalgus  diascó  eftes  moradorcs;o$qes  védolhesalguaa 

feiram  cus 


Iva  a.v*  >wmai 


» »-•■«  »-•-•-<  w»  f-"»  '«m»  t 


\matmmumMia. 


$A  NCTA    CRVZ.  '47 

ferramentas  que  elles  leuauam  confígo,  pregutaranlhes 
de  quem  as  auum,ou  porque  meyos  lhes  vinham  terás 
mãos  •Responderanlhcsq  hua  certa  gente  habitauaao 
longo  da  colh  da  banda  do  Oriéte,  q  tinha  barba  &  ou 
tro  parecer  ditfercnte,  de  q  as  alcançauam >  que  íàm  os 
Portuguelès .  Os  mesmos  íinaes  lhes  deram  eftoutros 
dos  Caftelhanos  do  Peru,  dizendo  lhcs^  també  da  ou- 
tra banda  tinhatti  noticia,auer gente fcmelhante,cntão 
lhes  dera  certas  rodellas  todas  chapadas  douro,  &  esmal 
tadas  de  cfmcraldas:&  lhes  pediram  que  as  leuaflcm,pe 
ra  que  fe  a  caio  foflem  ter  cõ  elles  a  luas  tcrras,lhes  dixef 
íem,  que  fe  a  troco  daquellas  peças  &  outras  femelhan- 
tes  lhes  queriam  leuar  ferramentas  &  ter  comunicação 
çõ  clles,o  fezeflem  q  eftauam  preftes  pêra  os  receberem 
cõ  muito  boa  vontade.  Depois  diftopartiraníè  dahi& 
foram  dar  em  o  rio  das  Amazonas,  onde  íe  embarcaria 
cm  alguas  Canoas  q  fczeram:&  a  cabo  de  terem  naue- 
gado  porclle  acima  dous  annos ,  chegaram  á  prouincia 
do  Quito,terra  do  Peru  pouoada  de  Caftelhanos. Os  ci- 
es vendo  efta  noua  gente,  efpantaranfc  muito,&  nã  la- 
biamdeterminardondeeram,nemaqvínham.Maslo 
go  fora  conhecidos  por  getio,  da  prouincia  íàn&a  Cruz 
de  algus  Portugucfes  q  entam  na  mesma  terra  íe  acha- 
ram .  E  pergantado  por  elles  a  cauía  de  fua  vinda  conta- 
ranlhcs  o  caio  meudamente,  fazendoos  fabedores  de  tu 
do  o  q  lhes  auia  fuecedido .  E  i  fto  veonos  á  noticia ,  aísi 
por  via  dos  Caftelhanos  do  Peru,  onde  eftas  rodellas  fa 

rara 


!l4y*4y*AyAAyAAyAAyA*y^^ 


f,r.WTATrATT.&TiT.%TT.CT,n%TrATTATr.frT,ra^^ 


HISTORIA  DA  PROVÍNCIA 
rim  vedidasporgrande  preço,  como  pela  dos  mesmos 
.  Portuguefes  q  la  eftauam  quando  ifto açonteceo  ;cõ  os 
quaes  faliram  ai  gus  homés  defte  Rei  no,  peííoas  de  au* 
toridade,&dignasdeçredito,queteftificamouuirélhes 
affirmar  tudo  ifto  por  excenfo  da  maneira  q  digo ,  Eia- 
befe  de  certo  que  efta  toda  efta  riqueza  nas  terras  da  con 
quifta  delRey  de  Portugal ,&  mais  perto  fem  çõparação 
das  pouoações  dos  Portugucfes  q  dos  Caftelhanos.  Ifto 
fe  moftra  claramente  no  pouco  tempo  q  poferam  eftes 
índios  em  chegar  aei!a,&  no  muito  que  defpendéram 
cm  paíTarem  dahi  ao  Peru;q  foram  dous  annos  como  ja 
diífe.  Alem  da  certeza  que  por  efta  via  temos,  ha  outros 
rnuitos  índios  na  terra  ,que  também  affirmãp  auer  no 
fertam  muito  ouro:  os  quaçs  poftoq  íarn  gente  de  pou 
ca  fee  &  verdade,  dafelhes  credito  nefta  parte,,  poi  q  acer 
qua  difto  os  mais  delles  fam  conteftes ,  &  faliam  c  di.ucr 
ias  partes  per  hua  boca  .  Principalmente  he  pubrica  fa-> 
2  ma  entre  elles,q  hahúahgoamuy  grande  no  interior 

|  da  terra,  donde  procede  o  rio  de  iam  Francifco,de  que  ja 

%  tratey:  dentro  da  qual  dizem  auer  algúas  ilhas,&;  nellas 

|  edificadas  muitas  pouoações  ,'&  outras  orredor  delia 

muy  grandes,  onde  também  ha  muito  ouro,&  mais  qa 
t;idade(íegundo  feaffirmajqueem  nenhíía  outra  parte 
%  deftaprouincia, Também  pela  terra  dentro, nam  mui- 

to longe  do  rio  da  Prata  descobriram  os  Caftelhanos 
hua  mina  de  metal,da  qlíe  té  leuado  ouro  ao  Peru, &  de 
cada  quintal  delle  dizem  quçfç  tirou  quinhentos  &lç> 

çenta 


KfiiMWMtw  iMfYatvifcvitMmiy^^aa^Miai&aMi»"™*'  «  »  .  **i 


■>->  aitfA^— ""llh1 


S  A  NCTA    CRVZ.  4$ 

tenta  cruzados,&  de  outro  trezentos  &  tantos:  odema 
is  q  delia  fe  tira  hc  cobre  infinito.  També  defcobriram 
outras  minas  de  huas  certas  pedras  brancas  &  verdes ,  Sc 
de  outras  cores  diuei fasras  qes  fam  todas  de  cinco  lèisqui 
nas  cada  huaá  maneira  de  diamãtes,&  també  lauradas 
da  natureza,como  fe  per  induftna  humaua  o  fora.  Eftas 
pedras  nacem  em  hu  vafò  como  coquo,o  qual  he  todo 
oco  com  mais  de  quatro  centas  pedras  orredor,todas  eti 
Xeridas  na  pedreira  com  as  pontas  pêra  fora .  Algíís  des- 
fies pedernaesfe  acham  ainda  imperfeitos: porque di- 
zem quequandofam  devezque  por fi arrebentam, ca 
tanto  eftrondo,  como  íè  difparafle  hum  exercito  de ar- 
cabuzes^ afsi  acharam  muitas,  que  com  a  fúria  (feguu 
do  dizem)  fe  metem  pela  terra  hú  &  dous  eftadíos .  Da 
preço  delias  nam  rrato  aqui ,  porque  ao prefente  o  nanei 
pude  faber:  mas  fey  que  afsi  deitas  como  doutras  ha  nc 
fta  prouincia  muitas  &muy  finas,&  muitos  metaes,do 
defe  podeconleguir  infinita  riqueza.  Aqualpermitti- 
rá  Deos,  que  ainda  em  noífos  dias  fe  descubra  toda,pc- 
ra  que  com  cila  feaugmente  muito  a  coroa  deftes  Rei- 
nos*, aos  quaesdcfta  maneira  efperamos(mediante  o  fa 
uordiuino)ver  muito  cedo  poftos  em  tam  feliceSc 
prospero  eftado ,  que  mais  fe  nam 
poífa  defejar. 
Fim, 

1  Impreflb  cm  Lisboa ,  na  oftlcina  de  Antónia 

1  )6oaiàiucí.Ãaaodei  576.  ^'h 


^lífAe.^à:.AMr.-A^fA»r^AAf.'MMí^ãf^ãVA'*r.'AMeMi 


iA!tLk:ZJk  AV*AV1  ÁíSlAíSl  ifíXJi/XJíakJ^txlLVÂ.  mi'H'H"Hí- 


\vm  giw  y.»m»r.wTATT.WT«fr.'.tTA-»fiwt 


iLViívi  tvAttmft-iiw  imiimJI 


ííEiEiíEJTir 


*'T9  3 


g^.irK.AXVAAS.atfJAAVAAVAAVAAMAM.VLtf.-A*ai'AAyAA&-A^ 


MUUA  V.'14VJv.'-ii.vauu  *.-..«•.-.-.»  *u&uu 


rxaiaiiaiaiaiaiaiataiiZLaiKj; 


% 

Ç)<f£h 


m 


a*Mfca^Mjr«-itAV.*a,v^mm»iaf.raa«M«MMi 


É  m.:-^  tfMlM  »YJ»VJ  f .-.*  «.M-MiJ  ■»«  «'■«  ■««■«-»  »-.T^  «1.-.  »